O novo advogado e os novos direitos | Análise
Análise

O novo advogado e os novos direitos

Por Hugo Filardi, sócio do SiqueiraCastro

25 de August de 2022 13h

"O advogado de hoje deve apreender os problemas contemporâneos, em constante evolução, e tratá-los à guisa de ‘engenheiro social’, substituindo, assim, o antigo advogado, preocupado quase que exclusivamente com as atividades forenses e limitado ao estreito círculo do desenvolvimento técnico". Essa passagem não é minha e sequer atual. Trata-se de Ada Pelegrini Grinover, no artigo "O advogado e a formação jurídica" (Revista da Faculdade de Direito da USP. São Paulo, Ed. da USP, 1978, p. 106).

A despeito da atemporalidade de textos bem-concebidos, o fato é que, ainda hoje, a formação jurídica segue dissociada das situações a que serão expostos os profissionais da área. Mais que isso: a velocidade das relações sociais e as constantes alterações de suas formas de constituição e desenvolvimento impõem aos operadores do direito uma formação cada vez mais específica e segmentada a determinados nichos de mercado e, ainda assim, com visão generalista da interdependência existente entre o direito e os demais ramos de atividade. A estrutura curricular clássica precisa ser reformulada no sentido de adaptar a formação do jurista às necessidades da sociedade e permitir que os advogados sigam exercendo um papel protagonista na defesa da cidadania e no debate democrático.

De forma cada vez mais intensa, advogados e operadores do direito em geral se veem sujeitos a incorporar noções de economia, sociologia, ecologia, engenharia, administração de empresas, contabilidade e até de medicina para resolver seus processos ou aplicar conceitos mais afetos a outros cursos na própria administração de suas atividades diárias. Ou, será que um serventuário da Justiça hoje não precisa de conhecimentos de tecnologia para operar o processo eletrônico? Ou, será que um diretor de secretaria não se vale de noções de gestão de pessoas ou da consolidação de esteiras de atuação para aperfeiçoar o trabalho de cartório?

O estudo jurídico precisa estar aberto para a sociedade como a própria sociedade confia nos juristas para a manutenção da ordem e do Estado de Direito. Hoje, o direito não pode conviver como fim em si mesmo, fechado. Ao contrário, precisa voltar-se para o jurisdicionado e manter-se em sintonia com os avanços da tecnologia e da sociedade de consumo.

Nesse caminho já se observa a utilização de inteligência artificial como forma de tornar a atividade judicial mais previsível e mais assertiva nos prognósticos de perda judicial e de tempo de julgamento, tudo isso com base em leitura de decisões de determinados juízos e a eleição de algoritmos-chaves. Nos dias atuais, já não se pode pensar a gestão de um contencioso de escala sem utilizar estatística ou desenvolver qualquer tese de direito tributário sem dimensionar os impactos contábeis e previdenciários. É igualmente impensável criar planos de prevenção trabalhista sem conhecimentos profundos de recursos humanos ou sustentar o registro de determinadas patentes sem uma mínima formação científica.

Todos esses exemplos servem para demonstrar, de forma mais cristalina, que a grade curricular tradicional das faculdades de direito precisa propiciar ao futuro jurista conhecimentos multidisciplinares correlacionados à vida contemporânea. Por conta disso, as faculdades de direito modernas e dispostas a seguir formando juristas que terão importante papel na sociedade precisam agregar ao conteúdo mais convencional de seus cursos disciplinas como:

  • programação de software para advogados;
  • marketing;
  • administração de escritórios de advocacia;
  • gestão de pessoas;
  • direito do meio ambiente;
  • tutela de animais;
  • contabilidade;
  • noções atuariais ligadas a sistemas de previdência.

Aos advogados sempre competiu o protagonismo das relações sociais. Sempre foi comum advogados ocuparem cargos políticos, administrativos, econômicos, na imprensa e em áreas de planejamento. Contudo, a estagnação do ensino nas escolas de direito impinge aos profissionais da área uma incômoda paralisia, tanto que os advogados ficaram - e ainda ficam - muito restritos ao segmento jurídico. A própria sistemática de aulas exaustivamente teóricas está construindo uma geração de burocratas e não de empreendedores. Enquanto outros cursos estruturam suas lições sempre aliando cenários da vida cotidiana, a formação jurídicao parece estar estacionada no século passado.

Hugo Filardi é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua no SiqueiraCastro há mais de 20 anos, é membro do Comitê Executivo, e coordenador das áreas de Contencioso Cível e Direito do Consumidor. Professor da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ).

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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