O futuro das profissões jurídicas na era da inteligência artificial | Análise
Análise

O futuro das profissões jurídicas na era da inteligência artificial

Por Marina Feferbaum, coordenadora de Metodologia e Novas Tecnologias de Ensino da FGV Direito SP

27 de July de 2023 16h35

O mercado de tecnologia jurídica

O uso das novas tecnologias nos serviços jurídicos está em amplo crescimento. Com previsão de mais investimento na próxima década, a estimativa é que o mercado global de tecnologia jurídica atinja US$ 69,7 bilhões em receitas até 2032, segundo pesquisa do Future Market Insights, publicado na matéria da Bloomberg.¹ Esse aumento representa 8,9%, o dobro da década anterior.

Impulsionado pelo mercado de inteligência artificial focado em soluções para a área jurídica e de softwares jurídicos em geral, o cenário é bastante promissor, não somente pelo investimento, mas pelos efeitos que estão provocando no trabalho e nas profissões jurídicas: ganho de produtividade, maior eficiência e precisão, proporcionando mais rapidez na resolução de problemas.

No Brasil, o mercado segue a tendência, principalmente na oferta de aplicativos de inteligência artificial e soluções para resolução de disputas online, gestão e automação de contratos. Podemos acompanhar esse crescimento no país por meio da Associação Brasileira de Lawtechs & Legaltechs (AB2L), que saltou de 20 startups em 2017 para 600 associados em apenas cinco anos de atividade.

A evolução no uso de tecnologia no campo jurídico já demonstrou que, após tantas suposições e ameaças, a máquina não será capaz de substituir o homem. Afinal, as ferramentas tecnológicas são feitas para servir a nós, e não tomar nossos postos, como se temia até há pouco.

IA generativa

A tecnologia mais comentada dos últimos meses é a IA generativa, como o ChatGPT. Ela consiste numa ferramenta de IA generativa de textos treinada para gerar conversas sofisticadas com o usuário. Usando um volume massivo de dados, essa nova tecnologia é capaz de gerar respostas complexas e fluidas a questões que colocamos, que parecem ter sido produzidas por humanos, diferentemente de um chatbot tradicional, que responde a poucos comandos.

O ChatGPT é apenas um dos exemplos de sistemas tecnológicos de IA generativa, pois há tantas outras sendo lançadas para diversas funções: criação de imagens, composição de músicas, elaboração de histórias, entre outras. Todas elas são, contudo, apenas ferramentas complementares que podem nos ajudar a otimizar o trabalho, já que há questões éticas e autorais envolvidas.

É visível no dia a dia o quanto as práticas jurídicas se transformaram com a utilização mais intensa das novas tecnologias. O uso das IA generativas em tarefas jurídicas, porém, ainda é pouco explorado. A pesquisa realizada pelo Thomson Reuters Institute (2023)² mostra que somente 3% dos escritórios de advocacia do Canadá, dos Estados Unidos e do Reino Unido estão utilizando a IA em suas atividades. Só não fazem um uso mais massivo por receio de incorrerem em problemas éticos. Tal cautela é compreensível dada a carência de regulação específica.

E as profissões jurídicas?

Com o desenvolvimento das novas tecnologias e suas aplicações, os serviços jurídicos e as profissões jurídicas estão ganhando novos contornos e diversas outras possibilidades. Novos modelos de negócio estão surgindo, bem como áreas novas no

Direito, como o Direito Digital e o Biodireito, o que exige uma compreensão da atual realidade.

Embora o uso da tecnologia esteja em processo de desenvolvimento, seu emprego traz muitos dilemas éticos e regulatórios. Essas ferramentas, por serem programas e aprenderem e reproduzirem respostas a partir de nossos falhos inputs, apresentam vieses que estão ferindo direitos humanos, como no caso de discriminação de gênero em recrutamento de pessoas na Amazon Jobs, para mencionar apenas um exemplo da gravidade da questão.

Ao automatizarem o processo de contratação de funcionários, em 2014, os algoritmos do sistema criado pela Amazon analisariam as informações dos currículos de candidatos de uma forma mais rápida e objetiva. Os resultados, contudo, penalizavam candidatas a partir de dados que identificavam seu gênero como feminino, elemento que o sistema reconhecia como sendo não compatível com áreas técnicas, como engenharia da computação. Por essa razão, a empresa recebeu muitas críticas e, após um ano, acabou encerrando o projeto.³

Nós enquanto profissionais jurídicos, acadêmicos e, sobretudo, cidadãos devemos questionar, nos posicionar e contribuir para os debates de forma a garantir a segurança e os direitos fundamentais. Não há, porém, uma regulação que dê conta dessas transformações digitais, balizando seu uso e impedindo vieses.

Frente a esse cenário, torna-se evidente também a urgência de as universidades se atualizarem e repensarem suas práticas pedagógicas. A IA impacta e impactará ainda mais o modo como ensinamos e aprendemos Direito, ou ao menos essa é a expectativa da maioria dos advogados consultados na pesquisa realizada pela Lexis Nexis nos EUA.⁴

Fica o convite para repensar nossa responsabilidade de formar profissionais orientados a esse novo perfil demandado pelo mercado, assim como refletir sobre como conduzir a gestão da nossa prática profissional de modo ético e transparente, com cautela, debate e contribuição à construção de uma regulação que nos dê segurança para que as novas tecnologias auxiliem ainda mais nossa prática profissional e a sociedade.

¹BLOOMBERG. Global LegalTech Market is Expected to Reach ~US$ 69.7 Bn, Growing at a CAGR of 8.9% During the Forecast Period of 2022-32. Disponível em: https://www.bloomberg.com/press-releases/2022-10-25/global-legaltech-market-isexpected-to-reach-us-69-7-bn-growing-at-a-cagr-of-8-9-during-the-forecast-period-of-2022-32-get. Acesso em: 21 jun. 2023.

²https://www.thomsonreuters.com/en-us/posts/wp-content/uploads/sites/20/2023/04/2023-Chat-GPT-Generative-AI-in-Law-Firms.pdf

³https://www.reuters.com/article/us-amazon-com-jobs-automation-insight/amazon-scraps-secret-ai-recruiting-tool-that-showed-bias-against-women-idUSKCN1MK08G e https://www.aclu.org/news/womens-rights/why-amazons-automated-hiring-tool-discriminated-against 

⁴61% dos advogados e 44% dos estudantes de Direito acreditam que a IA generativa mudará a forma como o Direito é ensinado e estudado.

Marina Feferbaum é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de Metodologia de Ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

ArtigoArtigo de OpiniãoInteligência Artificial