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O Direito e o canabidiol no Brasil

Por Luciano Inácio de Souza, sócio Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados

1 de June de 2023 18h

Toda produção, seja farmacêutica ou em outras indústrias e setores, começa pela obtenção dos insumos. Com a Cannabis, já nessa etapa, a situação legal do Brasil impõe que se busque a matéria-prima fora das terras brasileiras, ou seja, para produzir com canabidiol, é preciso importar a planta; seja em parte, sementes ou o chamado insumo farmacêutico ativo (IFA).

De todo modo, o Brasil possui medicamento a base de canabidiol registrado nacionalmente desde 2017; além disso, entre 2020 e 2023, autorizou a fabricação de mais de 25 produtos de Cannabis para fins medicinais. Para o medicamento ou os produtos, parte do processo produtivo - ainda que de forma limitada - já ocorre no Brasil. Para entender melhor como o direito brasileiro tem lidado com a questão, vamos analisar brevemente o histórico regulatório e os principais entraves para o setor.

Embora o Brasil tenha um potencial gigantesco para se posicionar no setor, seja com a produção, pesquisa e a própria perspectiva de mercado de consumo, ainda existem muitas barreiras regulatórias.

A Cannabis convive com um estigma social arraigado e cercada de desinformação. Para piorar, o setor "interessado" na regularização carece de união no discurso, fomentando ainda mais a desinformação.

Veja-se que, embora tenhamos caminhado para alguns avanços, em especial na última década - como a inclusão do Canabidiol (CBD) na Lista de substâncias sujeitas a controle especial (Lista C1 da Portaria SVS/MS n.º 34/1998), ocorrida em 2015, além da inclusão de produtos de Cannabis na lista de substâncias sujeitas à prescrição médica como vários medicamentos são tratados (Listas A3, B1) - ainda existem questões a serem enfrentadas.

A partir da alteração da classificação da substância, que anteriormente constava apenas como proscrita, proibida (Listas E e F), a Cannabis tornou-se passível de registro como medicamento. Contudo, a realidade é que, entre 2015 e 2023, apenas 1 medicamento de Cannabis foi registrado no Brasil, o qual inclusive é proveniente de outro país.

Isso se dá por conta das exigências envolvendo estudos, análises e pesquisa aprofundada para o registro de um medicamento. Não significa dizer que qualquer produto seria exposto à população, mas sim de que mexer em uma única baliza - a de retirada da Cannabis como substância proibida - não teve o condão de evoluir o tema como se esperava.

Considerando que diversas restrições à planta permaneceram, como a proibição de plantio e a possibilidade de aplicação de sanções penais previstas na Lei de Drogas, o cenário necessário para fomento de novos produtos que poderiam ser registrados como medicamentos não é dos mais animadores.

Diante desse contexto, almejando que a população pudesse de fato ter acesso a tratamentos a base da planta, a Anvisa criou a categoria regulatória específica de produtos à base de Cannabis para fins medicinais, com a edição da Resolução RDC n.º 327/2019.

Essa inovação da Agência de fato ampliou o acesso ao tratamento e abriu uma nova janela para o mercado, mas certamente não resolveu todas as questões. O Brasil, por exemplo, segue dependendo da importação da matéria-prima para produção tanto de medicamentos quanto de produtos de Cannabis, uma vez que o cultivo é proibido. Essa situação legislativa encarece o acesso, além de significar perda da oportunidade de promoção de pesquisas e desenvolvimento de outras formas de utilização da Cannabis, inclusive para outras finalidades, como na indústria de cosméticos e alimentos.

Tecidas essas ponderações, observa-se a regulação brasileira para a Cannabis avançou, mas tem muito a progredir, principalmente no que tange às informações corretas e ao alinhamento - ainda que inicial - dos diversos setores interessados. A experiência demonstra que a compreensão do tema sobre a sociedade é essencial para que os atores políticos se vejam motivados a aprovar propostas legislativas que versam sobre o tema.

Luciano Inácio de Souza é sócio das áreas de Compliance e Anticorrupção e Relações Governamentais no Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.

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