O consumidor está conectado e essa é uma realidade definitiva | Análise
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O consumidor está conectado e essa é uma realidade definitiva

Por Ellen Gonçalves, sócia-fundadora do PG Advogados

8 de September de 2020 8h

A afirmação não pretende - e nem poderia - definir um único modelo para as relações de consumo e sim alertar para um novo curso em franca expansão. O fato é que as estatísticas comprovam que o comércio eletrônico tem crescido em um ritmo acelerado.

No ano de 2019, os serviços de comércio eletrônico movimentaram 61,9 bilhões de reais e a previsão para 2020, de acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), é que as vendas do setor atinjam a cifra de 106 bilhões de reais no Brasil, registrando crescimento recorde em relação aos demais períodos.

É evidente que a projeção animadora para 2020 pega carona na pandemia que abalou o planeta, fechou as portas das lojas físicas e deixou o consumidor em casa. A internet foi a salvação para o contato com o mundo externo seja para trabalhar, conversar com amigos e familiares, se divertir ou se abastecer. Muitos se reinventaram e outros se readequaram, mas todos aprenderam e transpuseram barreiras conceituais em relação às facilidades da WEB, com destaque para as compras online.

Assim como assistimos aos inúmeros benefícios desta rotina que desconhece fronteiras e reduz ao mínimo o tempo de resposta e de circulação de informações, esbarramos em práticas abusivas, como acontece notadamente em momentos de exceção, dentro e fora do mundo virtual.

Os preços abusivos, por exemplo, não são uma exclusividade deste cenário de pandemia que enfrentamos. Como sociedade, nos deparamos com esta questão recentemente - durante a paralisação de caminhoneiros em 2018. Da mesma forma acontecem casos de publicidade enganosa, fraudes e outras irregularidades na compra e venda de produtos ou serviços.

Neste novo cenário - e o termo aqui refere-se ao grande volume de consumidores que passaram a navegar pelo e-commerce e não propriamente ao modelo, que já figura como um velho conhecido de nosso comportamento social - o Código de Defesa do Consumidor (CDC) permanece atual e funcional prestes a completar 30 anos. Vejamos o porquê, ou melhor, os por quês.

No caso da elevação injustificada de preços, o CDC prevê o controle de precificação para evitar condutas abusivas em vista da situação de dificuldade ou extrema necessidade, como a procura por álcool em gel e máscaras cirúrgicas, que passou a fazer parte do cotidiano durante a pandemia e que deve permanecer enquanto não houver vacina para todos, como preveem as autoridades sanitárias em todo mundo.

Dentro ou fora do ambiente virtual, as relações de consumo se baseiam basicamente em duas questões: as jurídicas e as de relacionamento. A necessidade de as empresas estarem preparadas tecnologicamente para atender o consumidor conectado - que preza pela eficiência, rapidez e interatividade - soma-se à importância de permanecerem atentas ao exercício da previsibilidade de possíveis contingenciamentos e ao estudo prévio de suas soluções que são fundamentais para o sucesso do empreendimento virtual. E esta equação deve se manter equilibrada.

As empresas precisam estar preparadas para receber todos esses novos consumidores. Aquelas que já estavam presentes no comércio eletrônico terão que se aprimorar e as que chegaram há pouco deverão aprender rapidamente, na velocidade da internet. As lições de casa são para todos. Não basta abrir ou ter um canal de comércio eletrônico. É preciso estar atento à legislação e às relações de consumo, que estão passando por grande transformação e o momento exige atenção redobrada em alguns pontos para a conquista deste mercado em expansão.

Também é preciso olhar o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) com ainda mais atenção. Algumas companhias talvez tenham que se revisitar, pois os consumidores - mesmo que virtuais - precisam ser ouvidos quando assim o quiserem e as equipes de atendimento devem estar dimensionadas e treinadas para recebê-los com alto grau de resolutividade. Os assistentes virtuais ajudam nessa comunicação. Não se pode esquecer que aumentarão as vendas, mas também os concorrentes. Quem atender melhor conseguirá a fidelização.

A logística é outra questão apontada como grande desafio do comércio eletrônico pelos mesmos motivos: mais consumidores, mais produtos, mais entregas, mais prazos e provavelmente mais problemas, ou seja, mais um ponto a ser estudado na lição de casa.

As respostas aos possíveis ruídos que possam afetar as relações de consumo em ambiente online estão no CDC. De acordo com o decreto 7962/2013, os contratos de compras via comércio eletrônico devem trazer informações claras sobre a empresa, quanto ao endereço, características do produto ou serviço, preços, despesas adicionais e condições integrais da oferta, informações que devem ser facilmente legíveis para não deixar dúvidas. Esses documentos são a salvaguarda das partes e a tradução literal do "vale o que está escrito". Eles substituem o olho no olho.

Como não há como fazer questionamentos em tempo real e sabe-se que as compras por impulso são constantes no comércio eletrônico, é preciso prever, inclusive, o direito ao arrependimento e à forma de troca de produto. O consumidor poderá exercer esse direito pela mesma ferramenta utilizada para a compra do produto ou para a contratação do serviço e o fornecedor deverá comunicar imediatamente à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar para que a cobrança seja suspensa.

Diante de exemplos como esses é que o CDC revela o quanto sua redação foi arrojada. O CDC oferece base para legislar sobre esta matéria sem que injustiças sejam cometidas. Ele é tão inovador que possibilita diversos mecanismos de proteção à segurança do consumidor e de seus dados cadastrais, ou seja, mesmo a polêmica sobre preservação de dados na WEB está contemplada em seus artigos 6º, I, 8º e 43, por exemplo, que obrigam as empresas a utilizar meios de segurança eficazes que permitam o fácil acesso desses dados cadastrais por parte dos consumidores.

Apesar de o momento ser de inevitável transição nas relações, é hora de as empresas se atualizarem às demandas do mundo do consumo virtual. Os clientes precisam comprar e usarão cada vez mais as plataformas digitais. Mas eles querem segurança em relação à qualidade e à entrega do produto ou serviço e à proteção de seus dados e também desejam a segurança jurídica.

Quem não se reinventar para conversar de uma forma clara e objetiva com o consumidor e atender seus anseios será questionado e poderá ser deletado por ele. Que o profissionalismo esteja ainda mais presente neste novo agora. A condução equilibrada das relações de consumo é sempre o melhor caminho.

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