Apesar de "o ano só começar depois do Carnaval" no país do futebol, o enredo de janeiro de 2024 está agitado para os amantes de esportes de forma geral, dado que foi promulgada a Lei das Casas de Apostas em 29 de dezembro (Lei nº 14.790/2023 - LCA), regularizando esse mercado em franca ascensão nos últimos anos.
O crescimento das casas de apostas no Brasil se deu, dentre outros aspectos socioculturais e econômicos, pelas grandes campanhas de marketing que as bets (como também são conhecidas as empresas) veicularam e continuam veiculando em nosso país.
Ciente da importância e da força desse pilar para as bets, o Legislador destacou uma seção específica na referida norma para balizar a publicidade e as propagandas das casas de apostas e estabeleceu, nos arts. 16, 17 e 18 da LCA¹, que as ações de comunicação, de publicidade e de marketing ainda serão regulamentadas especificamente pelo Ministério da Fazenda, autorizou a autorregulação e trouxe premissas importantes quanto ao modus operandi das veiculações, em especial a obrigatoriedade das campanhas publicitárias contemplar avisos de desestímulo ao jogo e advertência sobre seus malefícios - à exemplo do que ocorre com as bebidas alcoólicas e cigarros; e vedar a participação de menores de 18 anos, sendo destinada exclusivamente ao público adulto.
A LCA também proíbe a veiculação das campanhas em escolas e universidades, bem como a realização de apostas em eventos esportivos de categorias de base (como caso da Copinha) ou disputados, exclusivamente, por menores de idade, nos termos dos arts. 3, parágrafo único e 17, VI da norma.
Outro aspecto importe observado pelo Legislador na redação da LCA é a participação dos influenciadores digitais nessas campanhas publicitárias, em razão de recentes investigações realizadas sobre postagens patrocinadas em redes sociais². Assim, os incisos II, III e IV do art. 17 da LCA vedam as campanhas tendenciosas sobre os ganhos financeiros dos apostadores com as bets e aquelas sugerindo que as apostas podem ser uma alternativa de renda financeira aos apostadores.
Para além da LCA, as bets devem se atentar às disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Código Publicitário), visto que contemplam normas cogentes acerca de direitos consumeristas e publicitários em nosso país.
No âmbito do CDC, destaca-se especial atenção à repressão das publicidades abusivas e enganosas, reconhecidas como crime contra o consumidor (art. 37 do CDC³) e podem ser penalizadas com multa e reclusão de 2 meses a 6 anos, nos termos dos arts. 63⁴, 67⁵, 68⁶ e 69⁷ do CDC.
Também se recomenda a atenção das bets à denominada "oferta vinculante" (art. 30 do CDC⁸), a qual obriga os prestadores de serviço a executar a atividade nos exatos termos de sua veiculação na mídia. No caso das bets, as odds, métodos e prazos de pagamento podem ser interpretados como vinculantes, por exemplo.
O Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária (CONAR) já editou suas regras para a publicidade de apostas através do Anexo X de seu Código Publicitário. O texto do CONAR, que tem em sua essência zelar pela ética na publicidade no país, segue os enunciados da LCA e do CDC ao primar pela (1) repressão ao estímulo exagerado às apostas, delimitando rol taxativo de frases que poderão ser utilizadas, obrigatoriamente, para este fim de advertência nas peças publicitárias⁹; e (2) defesa do interesse dos menores de idade, determinando que as campanhas não podem ter menores de idade como seu público alvo e que as pessoas que aparecerem nas publicidades devem ser e parecer maiores de 21 anos de idade.
Um ponto interessante do Anexo X é a participação dos influenciadores digitais e embaixadores das bets, nos quais o CONAR recomenda a indicação de menções como "publicidade" ou "parceria paga" neste tipo de conteúdo para redes sociais. O CONAR ainda impõe o dever de (1) serem indicados os anunciantes e suas licenças para atuação como bet; (2) as bets destacarem seus meios de contato e atendimento ao consumidor; e (3) serem divulgadas apenas por perfis verificados oficialmente pela rede social em questão. Na hipótese de violação do texto do CONAR, o órgão poderá recomentar a alteração do anúncio ao infrator ou mesmo recomendar aos veículos que cessem a divulgação da campanha, conforme art. 50 do Código Publicitário.
No caso de infração às previsões da LCA sobre as publicidades envolvendo as bets, o infrator poderá ser penalizado, em casos mais graves, com o pagamento de multa de até R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais) e cassação da autorização para as suas atividades.
Considerando que as apostas serão realizadas majoritariamente no ambiente virtual¹⁰, as casas de apostas deverão observar as previsões do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 - LGPD).
Não há dúvidas que o ano de 2024 possibilitará grandes retornos às casas de apostas, afinal, além dos eventos esportivos tradicionais, este ano serão realizadas as Copas Continentais de seleções de futebol masculino (como a Copa América e a Eurocopa) e o maior evento esportivo do mundo: as Olimpíadas de Paris.
Para garantir o melhor atendimento à legislação brasileira, o exercício de direitos, criação de publicidades criativas e assertivas, além da proteção dos apostadores, é recomendável que as casas de apostas contem com assessoria técnica e jurídica especializada neste mercado que certamente seguirá crescendo, adotando padrões mais conservadores, dada a sensibilidade do tema.
¹ "Art. 16. As ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa observarão a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação. Parágrafo único. A regulamentação de que trata o caput deste artigo disporá, pelo menos, sobre: I - os avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios que deverão ser veiculados pelos agentes operadores; II - outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 (dezoito) anos, especialmente por meio da elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas; e III - a destinação da publicidade e da propaganda das apostas ao público adulto, de modo a não ter crianças e adolescentes como público-alvo. Art. 17. Sem prejuízo do disposto na regulamentação do Ministério da Fazenda, é vedado ao agente operador de apostas de quota fixa veicular publicidade ou propaganda comercial que: I - tenha por objeto ou finalidade a divulgação de marca, de símbolo ou de denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados, que não possuam a prévia autorização exigida por esta Lei; II - veiculem afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou os possíveis ganhos que os apostadores podem esperar; III - apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social; IV - sugiram ou deem margem para que se entenda que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro; V - contribuam, de algum modo, para ofender crenças culturais ou tradições do País, especialmente aquelas contrárias à aposta;VI - promovam o marketing em escolas e universidades ou promovam apostas esportivas dirigidas a menores de idade. § 1º É vedado realizar qualquer tipo de publicidade ou propaganda em meios de comunicação, físicos ou virtuais, sem o aviso de classificação indicativa da faixa etária direcionada, conforme disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). § 2º As empresas divulgadoras de publicidade ou de propaganda, incluídos provedores de aplicação de internet, deverão proceder à exclusão das divulgações e das campanhas irregulares após notificação do Ministério da Fazenda. § 3º As empresas provedoras de conexão à internet e de aplicações de internet deverão proceder ao bloqueio dos sítios eletrônicos ou à exclusão dos aplicativos que ofertem a loteria de apostas de quota fixa em desacordo com o disposto neste artigo após notificação do Ministério da Fazenda. § 4º Os provedores de aplicações de internet que ofertam aplicações de terceiros deverão proceder à exclusão, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, das aplicações que tenham por objeto a exploração da loteria de apostas de quota fixa em desacordo com o disposto neste artigo, após notificação do Ministério da Fazenda. § 5º A notificação prevista nos §§ 2º e 4º deste artigo deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do conteúdo quando se tratar de provedor de aplicação de internet que hospeda conteúdo de terceiro. Art. 18. É vedado ao agente operador, bem como às suas controladas e controladoras, adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos desportivos realizados no País para emissão, difusão, transmissão, retransmissão, reprodução, distribuição, disponibilidade ou qualquer forma de exibição de seus sons e imagens, por qualquer meio ou processo."
² Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/12/17/jogo-do-aviaozinho-justica-bloqueia-r-101-milhoes-de-site-de-apostas-que-promove-game-ilegal-divulgado-por-influenciadores.ghtml. Acesso em: 08.01.2023.
³ "Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço."
⁴ "Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa."
⁵ "Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa."
⁶ "Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa."
⁷ "Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena Detenção de um a seis meses ou multa."
⁸ "Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."
⁹ São elas: "Jogue com responsabilidade. Apostar pode levar à perda de dinheiro. As chances são de que você está prestes a perder. Aposta não é investimento. Apostar pode causar dependência. Aposta é assunto para adultos. Aposta é assunto para adultos."
¹⁰Apesar da autorização para as apostas também serem realizadas na modalidade aposta física (art. 2, VI da LCA).
Maria Helena Ortiz Bragaglia Marques é sócia das áreas de Resolução de Conflitos, Consumo e Varejo e Estruturação Patrimonial e Sucessória do Demarest, Maria Helena Ortiz Bragaglia é especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas. No Demarest, defende empresas nacionais e estrangeiras em disputas judiciais e administrativas tendo como pano de fundo matérias de natureza cível, comercial e consumerista. Especificamente em relação ao Direito do Consumidor, conta com mais de dez anos de experiência, em especial na atuação em procedimentos administrativos e processos judiciais envolvendo o tema recall, tendo participado dos principais chamamentos deflagrados no país no período, o que lhe proporcionou, inclusive, um contato bastante próximo às principais agências e órgãos reguladores. Também assessora os clientes na elaboração de testamentos, contratos de doação, procedimento judicial de alteração de regime de bens, dentre outros.
Francisco Martini D’Alessandro é advogado do Demarest, é graduado em Direito e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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