Nova Lei de Licitações: esclarecendo a dúvida sobre recontratações na dispensa de licitação por emergência | Análise
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Nova Lei de Licitações: esclarecendo a dúvida sobre recontratações na dispensa de licitação por emergência

Por Mariana Barbosa Miraglia, sócia do Aroeira Salles Advogados

20 de August de 2024 15h39

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021) está em vigor desde o dia 1º de janeiro de 2024. Tanto o setor privado como o público estão se familiarizando com as alterações em relação à Lei 8.666/93. Como era esperado, percebe-se no dia a dia do escritório que essas mudanças vêm gerando diversas dúvidas.

Um exemplo de questionamento de alguns clientes é o decorrente de interpretação do inciso VIII do artigo 75 que dispõe sobre a dispensa de licitação nos casos de emergência. A alteração em relação à Lei anterior foi no sentido de acrescentar vedação à "recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso".

Identificamos preocupação também, com a limitação trazida por essa alteração, sob o argumento de que poderia impedir uma segunda contratação por dispensa, mesmo que em circunstância e local distintos, caso a empresa já tenha sido contratada anteriormente pela mesma hipótese.

No entanto, na nossa visão, a interpretação sistemática da lei permite concluir que essa limitação não ocorre, ainda que a redação do inciso possa suscitar alguma dúvida.

Veja-se que, a vedação de recontratação é decorrente da enumeração que vem apontada logo antes pelo mesmo inciso: "(...) vedada a prorrogação (...) e a recontratação (...)". Na nossa visão a intenção da limitação foi coibir a continuidade daquele específico contrato de emergência, seja por prorrogação ou pela realização de uma nova contratação.

De fato, a interpretação não poderia ser diferente, pois limitar a dispensa de licitação por emergência a uma única contratação por empresa vai contra o interesse público de atender às demandas urgentes. Considerando que o número de empresas aptas a prestar os serviços necessários em situações de emergência é naturalmente limitado, essa restrição levaria ao esgotamento das opções disponíveis. Eventualmente, ainda mais em mercados com poucos players, todas as empresas seriam contratadas, resultando no absurdo jurídico de impossibilitar novas contratações em um momento crítico.

Essa mesma dúvida levou o Partido Solidariedade a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 6890) em trâmite no Supremo Tribunal Federal, visando à declaração de inconstitucionalidade do inciso justamente por considerar que "contém discriminação indevidamente dispensada a particulares ao proibir a recontratação de empresa anteriormente contratada com base na situação emergencial".

Embora a ADI ainda esteja em tramitação, é interessante notar que as manifestações do Ministério Público Federal, da Advocacia-Geral da União, do Ministério da Economia e do Senado Federal no processo caminham para uma interpretação sistemática do dispositivo que reforça a nossa conclusão acima. Os principais argumentos apresentados nas manifestações destacam que:

  • A norma não impede que a empresa contratada em situação emergencial seja posteriormente contratada por meio de um processo licitatório regular, nem impede sua contratação em outras situações de emergência ou calamidade;
  • O dispositivo visa impedir contratações sucessivas sem licitação, para atendimento da mesma emergência, garantindo a regularidade do processo licitatório e promovendo os princípios da impessoalidade e isonomia. Assim, evita-se a perpetuação de um contrato emergencial, incentiva-se o planejamento tempestivo do procedimento licitatório pela Administração Pública e garante-se a aplicação dos princípios administrativos da moralidade, impessoalidade e eficiência;
  • A norma não viola os princípios básicos da Administração Pública dispostos no artigo 37 da Constituição Federal.

Dessa forma, ainda será necessário aguardar o desfecho da ADI e a conclusão sobre a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. No entanto, tomando-se por base as manifestações apresentadas até o momento, há uma tendência de o dispositivo ser considerado constitucional, esclarecendo a questão.

A vigência exclusiva da lei é recente e, naturalmente, traz desafios para os operadores do Direito e para os particulares que contratam com a Administração.

Mariana Barbosa Miraglia é sócia Aroeira Salles Advogados, graduada em direito pela Faculdade Milton Campos e pós-graduada em direito público pela PUC-MG, Mariana também possui um LL.M. em Legislação Energética e Energia Limpa pela Universidade da California, nos Estados Unidos.

Mariana Barbosa Miraglia, sócia do Aroeira Salles Advogados

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