Negociando com Segurança: o papel vital dos contratos preparatórios nas operações de M&A | Análise
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Negociando com Segurança: o papel vital dos contratos preparatórios nas operações de M&A

Por Jéssica C. Gatti Pizarro, advogada associada do Candido Martins Advogados

21 de May de 2024 16h32

As operações de fusões e aquisições (M&A) são processos extensos e decisivos para as sociedades e seus acionistas, marcados por complexidade e riscos significativos. Neste contexto, a fase inicial é um momento crucial, pois não apenas estabelecerá as bases para todas as negociações subsequentes, mas também ditará o ritmo da transação e o formato do relacionamento das partes envolvidas.

Por esse motivo, os contratos preparatórios desempenham um papel fundamental em qualquer operação, fornecendo - na maioria dos casos - segurança, clareza e conforto aos envolvidos. Entretanto, ao contrário do que se espera, é comum que transações sejam iniciadas sem que seja dada a devida relevância a esses documentos, ficando uma das partes (ou mesmo ambas) vinculada a condições e obrigações que, no decorrer da operação, a deixam em situação bastante desfavorável.

Mas como aproveitar os contratos preparatórios da melhor forma possível, visando segurança e tranquilidade nas próximas etapas do M&A?

Não existe fórmula pronta. Sempre é recomendável que as peculiaridades de cada caso sejam analisadas. No entanto, dificilmente não serão observados elementos como confidencialidade, exclusividade, custos e despesas da operação, caráter vinculante do documento, penalidades e as diretrizes comerciais principais.

A seguir, seguem alguns comentários a respeito desses elementos e sua importância na fase primária das operações.

Começando pela confidencialidade, que é um dos principais aspectos de qualquer contrato preparatório e vital numa operação de M&A, especialmente considerando o processo de due diligence (que consiste na auditoria conduzida numa empresa antes de uma potencial aquisição, podendo abranger diversas áreas, como legal, financeira e contábil). Além da finalidade de proteger informações sensíveis das partes (dados financeiros, estratégias de negócios, informações sobre funcionários, propriedade intelectual e outros ativos críticos), também se objetiva prevenir eventuais impactos no mercado, preservar a negociação e evitar ansiedade dos funcionários e eventuais quedas na produtividade.

Entre os principais aspectos, quando se trata da obrigação de confidencialidade, há que se observar a definição de multa no caso de descumprimento, considerando que a mensuração de danos causados pela sua quebra costuma ser extremamente difícil, gerando insegurança às partes contratantes. A penalidade deve ter valor suficiente para inibir o descumprimento da obrigação e reparar eventuais danos causados pela parte infratora.

Igualmente importante é a exclusividade, cuja finalidade é garantir que as partes envolvidas estejam comprometidas com a transação e não estejam em tratativas com múltiplos parceiros potenciais. O objetivo é impedir a negociação com terceiros por um período específico, durante o qual o  vendedor se compromete a não solicitar propostas de compra de terceiros, e o comprador se compromete a não iniciar negociações com outras empresas alvo.

É necessário que o prazo da obrigação de exclusividade seja suficientemente abrangente, cobrindo todo o período necessário para a conclusão da transação, mas não seja tão longo, a ponto de manter as partes vinculadas por muito tempo caso a transação não se concretize. Isso impediria a busca de novos parceiros e poderia causar a perda de oportunidades de negócios para os envolvidos.

As responsabilidades financeiras, custos e despesas, durante o processo de due diligence e negociação também são definidas nos contratos preparatórios. Isso pode incluir a divisão dos custos associados à auditoria, taxas legais e outros gastos relacionados à transação. Além disso, as obrigações referentes ao pagamento das despesas podem ter condições especiais para o caso de quebra de contrato ou rescisão unilateral, de modo que a parte infratora arque com eventuais prejuízos da outra parte.

Também é frequente que os contratos preliminares nas operações de M&A tenham caráter vinculante, o que significa que as partes envolvidas estão legalmente obrigadas a cumprir determinadas disposições, porém, não são necessariamente vinculativos. Algumas cláusulas podem expressar a intenção das partes, sem necessariamente criar obrigações legais.

Cláusulas como preço de compra, estrutura da transação e condições para a concretização do negócio são especialmente sensíveis para que haja vinculação numa fase preliminar. Existe uma série de variáveis que podem mudar o rumo de uma operação e é preciso que os envolvidos estejam conscientes das vantagens e desvantagens de fixar determinadas condições no início de uma operação, quando ainda não se tem as informações completas das partes, como auditoria e valuation da empresa alvo, ou mesmo a capacidade financeira do comprador e eventuais passivos da empresa alvo.

Pode ser estratégico estabelecer determinados termos logo no início das negociações, para garantir a manutenção de condições que sejam indispensáveis para a realização do negócio ou que sabidamente serão benéficas para a parte interessada. O maior cuidado é garantir não se vincular a uma situação desvantajosa, sem ter as informações básicas para avaliar o cenário em questão.

Outro ponto fundamental para qualquer contrato cujo objeto é tão relevante são as penalidades. Disposições destinadas a fornecer incentivos adicionais para as partes cumprirem suas obrigações contratuais e a compensar pela quebra de tais obrigações. Podem variar em sua natureza e gravidade, dependendo do contexto da transação e das disposições específicas do contrato.

Em regra, são empregadas multas de valores compatíveis com o porte da operação e dos envolvidos podendo contemplar desde o simples descumprimento não sanado de alguma cláusula contratual, até eventual ressarcimento de despesas, e mesmo indenizações por perda de chance.

Embora os contratos preparatórios forneçam uma estrutura inicial para as negociações, é importante que sejam redigidos de maneira a permitir flexibilidade suficiente para que as partes se adaptem às circunstâncias em evolução. Isso quer dizer que podem ter uma estrutura mais enxuta, com menos detalhes e sem tanto aprofundamento com relação a questões comerciais e jurídicas cuja definição, na maioria das vezes, depende de uma série de eventos que ocorrerão futuramente.

O nível de detalhamento e a quantidade de informações inseridas são questões estratégicas. É necessário estabelecer quais condições devem ser fixadas até a conclusão do M&A - e o que é interessante deixar a definir.

Há, portanto, que se escolher o melhor instrumento a ser utilizado, dependendo da complexidade e estágio das negociações, como o Memorando de Entendimento (MOU), que costuma ser menos formal, não ser vinculativo e ser utilizado nas fases iniciais da negociação, para estabelecer um esboço inicial dos termos-chave que serão posteriormente detalhados em um contrato definitivo.

Há também o Term Sheet, que geralmente é empregado nas fases iniciais da operação, de forma não vinculativa, servindo como um ponto de partida para discussões mais detalhadas e resumindo os termos econômicos básicos da transação, além da Carta de Intenções (LOI), que costuma ser utilizada em etapas um pouco mais avançadas da transação, contendo disposições vinculativas e sendo utilizada como base para o contrato definitivo da operação.

Independentemente das características habitualmente detidas por cada instrumento, nada impede que as disposições de um MOU sejam detalhadas e vinculativas, ou que uma LOI tenha diversas disposições não vinculativas. É necessário que os termos de qualquer instrumento sejam avaliados com muita seriedade, inclusive, para que não passem despercebidas obrigações que não tenham sido devidamente discutidas pelos envolvidos e criem obrigações inesperadas (e indesejadas) para uma das partes.

Uma estrutura clara também evita que as expectativas das partes se tornem ambíguas, diminuindo a confiança entre os envolvidos e até levando a desacordos e litígios.

No mais, outras questões como jurisdição, resolução de disputas e cláusulas de força maior devem ser também cuidadosamente avaliadas e consideradas para mitigar riscos e garantir a exequibilidade do contrato.

Por isso, em operações complexas, em que múltiplos interesses e stakeholders estão envolvidos, é vital que os documentos que estabelecem as regras básicas a serem seguidas durante toda a negociação sejam elaborados com a máxima seriedade e cuidado, aumentando as chances de uma transação bem-sucedida.

Jéssica Pizarro atua nas áreas de private equity, fusões e aquisições, societário, planejamento sucessório e contratos do Candido Martins Advogados. Possui cerca de 9 anos de experiência em operações de fusões e aquisições e private equity em diversos setores da economia, tanto na estruturação como na parte de coordenação de auditorias legais (due diligences) e negociação. Tem também atuação focada em consultoria societária, contratual em geral, bem como em estruturação de patrimônio. É formada em direito pela pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-graduada em Direito Societário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

Jéssica Pizarro

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