Nos últimos anos, o fenômeno das fake news - ou notícias falsas - tornou-se um dos principais desafios enfrentados por governos, organizações e plataformas digitais. Com o crescimento exponencial do uso das redes sociais como principal fonte de informação para grande parte da população brasileira, a disseminação de conteúdos falsos, enganosos ou manipulados passou a influenciar significativamente o comportamento político, social e econômico dos brasileiros.
Nesse cenário, empresas como a Meta (controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp) assumiram um papel crucial no combate a desinformação. No entanto, a recente decisão da Meta de não mais realizar a análise de conteúdos problemáticos levanta preocupações sobre o impacto dessa mudança na disseminação de fake news, na credibilidade das informações compartilhadas nas suas plataformas e sobre o respeito a legislação brasileira.
Com a decisão da Meta de interromper a análise de conteúdo e voltar para o sistema de "notas dos usuários", as redes sociais podem se tornar ambientes ainda mais propensos a manipulação da opinião pública, dificultando a criação de um espaço digital seguro e confiável.
Embora, as plataformas digitais argumentem que não são produtoras de conteúdo, a responsabilidade pelo enfrentamento das fake news não pode ser ignorado, assim como a própria legislação brasileira. Afinal, apesar de ser uma empresa multinacional, a Meta tem a obrigação de ter uma filial no Brasil, onde o CNPJ desta empresa pode ser responsabilizado.
Vale lembrar que o papel das redes sociais vai além de oferecer um "espaço digital" de interação: elas determinam como as informações circulam, utilizando algoritmos que priorizam determinados conteúdos com base no engajamento. Esse modelo de negócios, focado em maximizar o tempo de uso e a interação dos usuários, muitas vezes favorece a disseminação de informações falsas, uma vez que estas tendem a gerar maior engajamento. Sendo assim, nota-se que o crescimento da influência da plataforma digital no debate público e na formação de opinião coletiva gerou uma maior preocupação sobre a regulamentação do ambiente digital, a soberania nacional e a garantia do princípio da liberdade de expressão.
O Brasil avançou significativamente na regulamentação das atividades digitais, com leis como: Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014), Lei Geral de Privacidade de Dados (Lei n.º 13.709/2018) e Lei das Fake News (Projeto de Lei n.º 2630/2020, em tramitação). Essas legislações representam um esforço do Brasil para proteger os direitos dos seus cidadãos no ambiente digital e garantir a soberania nacional no que diz respeito a privacidade de dados dos usuários brasileiros. No entanto, grandes plataformas como a
Meta, resistem a essas regulamentações argumentando que as legislações podem limitar a inovação e liberdade de expressão, ao mesmo tempo que sobrecarregam suas operações no Brasil.
A soberania nacional no ambiente digital refere-se à capacidade de um país de estabelecer e aplicar suas próprias regras dentro de seu território, mesmo que isso envolva empresas globais como a Meta. Como as big techs nem sempre estão alinhadas com as legislações especificas de um país, isso gera tensões entre as empresas e os governos locais. Afinal, as regras das empresas multinacionais não podem ser consideradas como hierarquicamente superiores a legislação nacional. Empresas, mesmo que multinacionais, devem seguir as regras dos países nos quais atuam.
A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, que assegura a todos os cidadãos o direito de manifestar livremente suas opiniões, sem censura prévia. No entanto, esse direito não é absoluto, devendo ser equilibrado com outros direitos, como a proteção a imagem e a privacidade.
A Meta, por ser uma empresa privada, tem autonomia para definir suas políticas de uso, incluindo regras de moderação. Contudo, essa autonomia não pode se sobrepor as leis locais. No Brasil, o Marco Civil da Internet estabelece que as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros caso não cumpram ordens judiciais de remoção. Esse princípio visa garantir que a liberdade de expressão não seja arbitrariamente restringida por políticas privadas, mas assegura que, diante de determinação judicial, conteúdos ilegais sejam removidos.
O caso da Meta em relação a legislação brasileira ilustra o grande desafio atual de regular as plataformas digitais em um contexto globalizado, onde a soberania nacional e a liberdade de expressão precisam ser protegidas. O Brasil, ao promulgar leis como o Marco Civil da Internet e a LGPD, demonstrou compromisso com a criação de um ambiente digital seguro e responsável. No entanto, para o enfrentamento das fake news e garantias de direitos fundamentais no ambiente digital exigem uma atuação conjunta entre governos, sociedade civil e as próprias plataformas. Sem essa atuação conjunta podemos estar diante de uma tentativa das plataformas digitais de estarem impondo suas "regras" ou sua "soberania" como as únicas aplicáveis no mundo independentemente da existência da soberania nacional dos países ao redor do mundo.
Patricia Punder, CEO da Punder Advogados, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC - Legal Ethics and Compliance (SP).
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