Meio Ambiente: tendências legislativas e judiciais para 2020 | Análise
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Meio Ambiente: tendências legislativas e judiciais para 2020

Por Ana Claudia La Plata de Mello Franco, sócia do Bruno Calfat Advogados

26 de November de 2019 12h29

Apagam-se as luzes do ano de 2019. Um ano repleto de grandes desafios para o meio ambiente em nosso país.

Afora o cenário político, acompanhado de inúmeras mudanças estruturais, algumas objeto de duras críticas e outras que ainda não se conseguiu dimensionar de fato os seus efeitos (a exemplo dos inúmeros cortes orçamentários para as ações de monitoramento e fiscalização do desmatamento, para a gestão dos recursos hídricos e para a proteção da biodiversidade), nosso país foi castigado por desastres ambientais de grande repercussão, com destaque para o rompimento da Barragem em Brumadinho e os incêndios florestais recentemente ocorridos na Amazônia.

O meio ambiente entrou na pauta. E para ficar.

Avizinha-se o ano de 2020, entramos na segunda década do século XXI com a perspectiva de grandes discussões de temas ambientais de alta relevância, tanto no âmbito legislativo como no âmbito judicial.

No âmbito legislativo, evidencia-se como tema principal a definição da regulamentação do processo de licenciamento ambiental. O Projeto de Lei nº 3.729/2004 tramita em regime de urgência, e há grande expectativa de que seja finalmente submetido ao plenário da Câmara dos Deputados. Quanto ao tema, urge que se definam as regras que regulamentam o principal instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, para a segurança jurídica do empreendedor e para garantia do uso sustentável e regulado dos recursos naturais.

Outra pauta bastante relevante que pode vir a ser definida no próximo ano, é o marco legal, em âmbito federal, do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).  O Projeto de Lei nº 312-B/2015 foi aprovado na Câmara dos Deputados em setembro deste ano e remetido ao Senado para análise da referida Casa. O PSA, instrumento econômico de política pública, é uma importante ferramenta para a mudança do paradigma da proteção do meio ambiente como um ônus, e certamente terá o condão de revelar as inúmeras formas pelas quais a proteção dos bens ambientais poderá originar benefícios àqueles que os preservam.

Merece destaque, também, a atualização do marco legal do Saneamento Ambiental. A Medida Provisória nº 868/2018 que tratava do tema perdeu a sua vigência em junho deste ano, no mesmo mês em que foi aprovado pela Comissão de Infraestrutura da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.261/2019, que se encontra pronto para a pauta no plenário. O Projeto de Lei em questão tem por objetivo a abertura do caminho para a exploração dos serviços de saneamento pela iniciativa privada, afim de estimular a livre concorrência, a competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica na prestação dos serviços.

Há, ainda, inúmeros projetos de lei relacionados ao endurecimento das regras aplicáveis ao exercício das atividades minerárias, reflexo dos graves acidentes de Mariana e Brumadinho, cujas discussões certamente avançarão para o ano de 2020.

Nesse contexto, merecem destaque (i) o Projeto de Lei do Senado nº 550/2019 - que "Altera a Política Nacional de Barragens para definir de forma mais clara os responsáveis pela fiscalização e pela maior rigidez das obrigações dos empreendedores, nos aspectos preventivos e nas medidas de atuação em situações de emergência; institui obrigação de contratar seguro ou apresentar garantia financeira; institui sanção penal de indivíduos nos casos em que ficar comprovado que as suas ações contribuíram para o desastre" (1) - que aguarda a instalação de comissão especial na Câmara dos Deputados destinada a dar parecer sobre o Projeto-, e (ii) o Projeto de Lei nº 2.787/2019, que tipifica o crime de "ecocídio", além de aumentar consideravelmente o valor das multas administrativas ambientais.

Já no âmbito judicial, vários temas importantes ilustram as pautas dos Tribunais Superiores para o ano de 2020.

No Supremo Tribunal Federal não há como deixar de aguardar, ansiosamente, pelo pronunciamento acerca dos Embargos de Declaração interpostos nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937,  e na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42, todas versando sobre a Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal). As principais questões discutidas nos embargos são a ocorrência de omissão quanto ao conceito de "identidade ecológica" para as compensações decorrentes da emissão de Cotas de Reserva Ambiental (CRA), artigo 48, e a contradição com relação à aplicação deste conceito para as demais hipóteses de compensação ambiental previstas no artigo 66.

Outro julgamento muito aguardado será o do Recurso Extraordinário nº 654.833, que teve repercussão geral reconhecida pelo Min. Alexandre de Moraes, sobre o tema da imprescritibilidade da pretensão de reparação civil do dano ambiental (Tema 999).

Também valerá a pena acompanhar de perto a discussão travada no âmbito do Recurso Extraordinário nº 1.210.727, que teve sua repercussão geral reconhecida para tratar do tema da constitucionalidade, ou não, de atos normativos municipais que dispõem sobre a proibição, na zona urbana da municipalidade, da soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido, questionamento que envolve aspectos de índole formal (competência legislativa) e material (sobretudo as normas constitucionais que regem a ordem econômica, além dos princípios da livre iniciativa, da razoabilidade e da proporcionalidade) (Tema 1.056).

Por fim, destacamos também o julgamento da Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 592, que questiona o Decreto 9.760/2019, que alterou o processo administrativo ambiental na esfera federal para criar o Núcleo de Conciliação Ambiental (NCA) e tornar obrigatório o estímulo à conciliação no âmbito da administração pública federal ambiental. O Partido Rede Sustentabilidade aduz que o decreto, ao alterar norma anterior sobre a matéria (Decreto 6.514/2008), viola os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público.

No Superior Tribunal de Justiça também há a possibilidade do julgamento de temas bastante relevantes para o meio ambiente.

Nosso primeiro destaque vai para o Recurso Especial nº 1.209.804, submetido ao julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, cuja tese foi assim delimitada: determinação do termo inicial do prazo de prescrição para o ajuizamento de ação em que se busca reparação de dano moral resultante da exposição de servidor publico à substância dicloro-difenil-tricloroetano (DDT).

Outro tema muito interessante, que pode ser decidido pela corte superior no próximo ano, é o versado no Recurso Especial nº 1.770.760, também submetido ao julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos. A tese delimitada no recurso representativo da controvérsia é a seguinte: extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei nº 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea 'a', da revogada Lei nº 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei nº 6.766/1979.

Como se vê, o ano de 2020 nos reserva a possibilidade de boas discussões sobre temas relacionados ao meio ambiente. Como dissemos, trata-se de uma pauta que veio para ficar, e que a cada dia tem despertado mais e mais interesse dos representantes da coletividade e do membros do poder judiciário.

(1) Trecho extraído da justificativa do projeto de lei.

Ana Claudia La Plata de Mello Franco, sócia do Bruno Calfat Advogados (Imagem: Marcelo Spatafora)
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