LSD na medicina: por que o Brasil ainda não investe no ácido? | Análise
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LSD na medicina: por que o Brasil ainda não investe no ácido?

Por Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB SP

11 de April de 2023 17h30

É famosa a frase de Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (popularmente conhecido por seu pseudônimo, Paracelsus), no séc. XVI, de que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Aliás, ele também compreendia que tudo possui veneno, e não há nada sem veneno. Químico e pai da alquimia e homeopatia, Paracelsus propiciou vários saltos no conhecimento científico de sua época. Sobre isso que se trata este artigo: saltos científicos, e a diferença de veneno e remédio.

Há razão na afirmação de Paracelsus. Veja: tomar sol é importante para o quadro geral de saúde, mas muito sol pode causar câncer de pele; exercício físico é fundamental à saúde, especialmente a longo prazo, mas o excesso pode causar diversos distúrbios, lesões e afins.

Na ciência contemporânea, diferente de outros momentos da história da humanidade, o processo de verificação de qual substância é eficaz para algo e em qual dose adequada, com efeitos colaterais menores do que os benefícios obtidos foi desenvolvido ao longo do Séc. XX sob muito sofrimento - vide as vítimas da talidomida.

O uso do LSD na medicina (bem como outras substâncias psicodélicas) ainda precisa igualmente passar por este longo trajeto protocolar científico para distinguir qual dose é "veneno" e qual dose é "remédio", bem como se identificar quais os casos e quadros de doenças psiquiátricas possuem efetividade e os benefícios são maiores que potenciais malefícios.

Todavia, há que se ressaltar, também, que tal caminho tem sido percorrido com velocidade admirável. Embora as pesquisas tenham iniciado timidamente no início do Séc. XX, em 2019 ocorreram mais de 700 publicações de trabalhos científicos com a adequada qualidade que se possibilita o avanço no desenvolvimento de uma substância até que se possa lhe conferir o título de tratamento. É o caso, por exemplo, da cetamina.

Quando se observa o gráfico de produção de conhecimento na área, há sensível queda nos anos 1970 e 1980 de publicações científicas. Trata-se de período em que vigorou rígida política antidrogas nos EUA, estrelada pelo seu presidente Nixon, que inaugurou um modelo de política pública exportada à América Latina em que se transfere uma questão de saúde pública ao campo da segurança pública.

Embora os EUA já tenham abandonado tal política (basta ver a nova relação econômica com o mercado da cannabis), ainda é um modelo muito utilizado na América Latina - em especial, no Brasil. Não é à toa a dificuldade de pacientes terem acesso a tratamentos com canabinóides - resultando, inclusive, na necessidade de tribunais autorizarem o autocultivo por pacientes para que artesanalmente extraiam óleo de canabidiol, por exemplo. Não à toa, também, o marcante tabu que há no uso medicamentoso de substâncias que, outrora, foram conhecidas apenas pelos seus malefícios - e não na dosagem e qualidade adequadas para se obter benefícios.

Apesar do modelo legislativo brasileiro ainda reportar à política de segurança pública estadunidense dos anos 1970, é preciso ressaltar que, nos últimos anos, uma sofisticada e crescente produção científica com psicodélicos tem sido desenvolvida por cientistas brasileiros da qual precisamos nos orgulhar, reconhecer e parabenizar.

Ainda há um longo caminho quanto ao uso medicamentoso à base de LSD no Brasil. Mas, este caminho já está sendo caminhado, e investimentos e pesquisa e desenvolvimento científico nacional contribuiriam muito, tanto para que o caminho seja melhor e mais rapidamente percorrido, como também se deixasse o peso do tabu para trás.

Henderson Fürst é doutor em Direito pelo PUC-SP e doutor e mestre em Bioética pelo CUSC. Presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB-SP. Diretor da Sociedade Brasileira de Bioética. Professor de Bioética e Direito Médico do HIAE e de Direito Constitucional da PUC-Campinas.

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