Com objetivo de conter o avanço dos índices do contágio da Covid-19 e de ocupação dos leitos de UTI, o Poder Público de diversas localidades está impondo medidas como bloqueio parcial ou total (lockdown), "toque de restrição" e/ou antecipação de feriados. Empregadores são impactados com as atividades empresariais restritas, sofrem queda de receita e, por outro lado, muitos empregados não terão trabalho nos próximos dias, não prestarão serviços nos horários que costumavam realizar sua jornada e terão suas atividades originais alteradas, mas precisam manter sua renda e sobrevivência.
Algumas categorias profissionais já dispõem de medidas de flexibilização instituídas pelos sindicatos, como redução de jornada e salário, bem como suspensão de contratos de trabalho, o que pode ser uma ótima saída. Nada impede, também, que as empresas procurem o sindicato representativo da categoria para estabelecer acordos coletivos que observem as suas condições específicas. Tais acordos, por força do art. 611-A da CLT, prevalecem sobre a lei, desde que observem os limites da Constituição Federal.
A utilização de banco de horas (instituído por acordo individual ou coletivo) e a troca de dias de feriado (mais segura por acordo coletivo) podem ser alternativas. O cuidado nesse cenário é que, para atividades não essenciais realizadas presencialmente, pode ser frágil manter o trabalho, uma vez que a restrição objetiva exatamente a redução da mobilidade, de aglomerações e a proteção à saúde individual e coletiva.
Sem nenhuma medida efetiva e válida de flexibilização, o trabalho no feriado, seja ele presencial ou remoto, deve ser remunerado com adicional de no mínimo 100%, podendo ser superior se assim determinar a norma coletiva da categoria profissional. Férias que iniciariam nas datas que coincidem com feriados antecipados também precisam ser revistas.
Outro ponto de atenção são as alterações de jornadas e de atividades dos empregados, que em virtude das medidas restritivas vêm ocorrendo com frequência e requerem cuidados especiais. Imaginemos, por exemplo, um empregado contratado originalmente como garçom, que diante da restrição de atividades passa a realizar entregas nas imediações do estabelecimento e sofre um acidente. Daí a importância de toda medida tomada ser analisada profundamente quanto aos seus riscos e impactos.
Para segurança das adaptações, empregadores e empregados precisam agir com boa-fé e analisar a proporcionalidade e o equilíbrio das medidas frente ao cenário atípico vivenciado por todos, mitigando ao máximo os impactos negativos que possam ser gerados, sob pena de intervenção dos órgãos de fiscalização do trabalho e/ou do Poder Judiciário. Em paralelo, e não mesmo importante, temos a obrigação do empregador de zelar pelo ambiente de trabalho seguro e saudável, fornecendo os itens necessários como máscaras e álcool em gel, instituindo políticas e procedimentos de forma clara e educando e fornecendo apoio aos empregados.
O descumprimento pelo empregador das suas obrigações pode gerar a rescisão do contrato por justa causa do empregado, denominada rescisão indireta (art.483, CLT), pela qual rompe-se o vínculo de emprego com obrigação de o empregador pagar todas as verbas rescisórias como se tivesse sido sua a iniciativa da rescisão. Por outro lado, uma vez cumprida a sua parte, o empregador também tem o poder de aplicar punições aos empregados que descumprirem as medidas impostas.
Os empregados, por sua vez, têm direito de exigir do empregador a garantia do ambiente de trabalho seguro e saudável. No entanto, têm obrigação de cumprir as determinações da empresa sobre as medidas de prevenção à Covid-19, sendo que o descumprimento pode gerar a aplicação de medidas disciplinares como advertência, suspensão ou até mesmo a rescisão do contrato de trabalho por justa causa nas situações mais graves. Nesse cenário, iniciada a imunização dos grupos prioritários previstos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, as empresas passaram a questionar a possibilidade ou não de impor aos empregados a vacinação como item obrigatório para continuidade do contrato de trabalho, bem como a possibilidade da dispensa por justa causa caso haja recusa pelo trabalhador.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) se manifestou indicando que entende que pode ser aplicada a dispensa por justa causa nessa situação, entendimento fortalecido pelo recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o Estado pode impor sanções a quem não se vacinar, como multa, impedimento de frequentar determinados lugares e impedimento de viagens ou de fazer matrícula em escolas.
Contudo, é preciso que seja muito bem analisada a proporcionalidade entre o desvio que vai ser punido e a medida aplicada, pois a justa causa é a penalidade máxima aplicável, logo, o desvio que gera sua aplicação deve ser tão grave quanto a consequência gerada para o empregado. Acompanhamos casos recentes de aplicação de justa causa para empregados por não utilização de máscara, que foram anuladas pela Justiça do Trabalho com a interpretação de que a medida é demasiada, principalmente quando não é algo contínuo e quando não foram aplicadas anteriormente outras medidas como advertência e suspensão.
Obviamente, questões individuais relevantes, como a existência de restrições ou contraindicações médicas para determinadas atividades, exposição ou vacinação sempre devem ser consideradas e respeitadas. Porém, é muito importante o entendimento de que, especialmente no que diz respeito à pandemia, convicções pessoais imotivadas, tanto de empregadores quanto de empregados, em detrimento da coletividade, dificilmente serão aceitas como justificativa para não aderir às medidas de prevenção à Covid-19, como uso de máscaras, distanciamento, proibição de aglomeração e inclusive a vacinação, quando disponível.
Por fim, foi promulgada, em 10 de março, a Lei 14.125/2021, cujo art. 2º autoriza a aquisição de vacinas pela iniciativa privada, condicionada, até o término da imunização dos grupos prioritários, à doação integral das vacinas adquiridas ao SUS e, posteriormente, à doação de 50% das doses, sendo o restante utilizado de forma gratuita. Essa liberação pode impulsionar o volume de imunização e permitir, a médio prazo, que as empresas possam imunizar seus colaboradores.
Assim, é importante que tanto empregadores quanto empregados façam uma reflexão sobre sua postura, levando em consideração que os direitos, as obrigações e as possíveis penalidades são uma via de mão dupla, bem como o fato de termos interesse coletivo muito maior em toda essa situação. Além disso, no fim do dia, o melhor resultado será a possibilidade de retornarmos com saúde ao equilíbrio entre trabalho, capital e renda.