Tive um chefe que costumava nos alertar sobre reviravoltas processuais das seguintes formas: "Cuidado com a volta da pororoca" e "Olhem o Retorno de Jedi". À mercê do folclore, creio que esse tipo de sinalização seja bastante válida especialmente quando tratamos de litigância abusiva. Vejam que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do Tema 1198, pacificou uma série de medidas processuais para inibir o ajuizamento de demandas "fraudulentas".
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça definiu que "constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova". Esse precedente, aliado à redação do artigo 320 do Código de Processo Civil, permite o indeferimento da petição inicial de plano de demandas ajuizadas sem lastro probatório.
Os movimentos processuais tendem a ser cíclicos: (i) processos caros inibiam a tutela de direitos legítimos por consumidores; (ii) a garantia constitucional do acesso à justiça permitiu que consumidores encontrassem caminhos mais facilitados para exigir seus legítimos direitos; (iii) como o Judiciário não estava preparado para receber tantas demandas, passou a julgá-las transferindo responsabilidades excessivas às empresas - supostamente causadoras do problema; (iv) se aproveitando do "engarrafamento" do Poder Judiciário e da vilanização das empresas, maus advogados e consumidores profissionais passaram, confiando nos julgamentos "randômicos", a propor demandas judiciais sem qualquer lastro fático-probatório; (v) mais que isso, maus advogados e consumidores profissionais criaram uma verdadeira operação de escala para fabricar litígios e assediar possíveis autores - muitos inexistentes; (vi) as empresas começaram a fugir de soluções negociadas de litígios e passam mapear a atuação criminosa de maus advogados e consumidores profissionais; (vii) o Judiciário, absolutamente assorberbado de trabalho em demandas artificiais, passou a coibir esse tipo de processo, usando, inclusive, penas de litigância de má fé e censuras junto à OAB e na esfera criminal.
O próximo passo, antes do fechamento do ciclo com o retorno à era dos processos demasiadamente caros, será o demandismo legítimo e reverso das empresas em face de maus advogados e consumidores profissionais. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já possui há quase 10 anos um verbete de súmula número 374 que dispõe que "o abuso do direito de demandar gera o direito à indenização". É inconteste o prejuízo causado às empresas em virtude da indevida propositura de demandas artificiais.
Os custos com advogados, sistemas de acompanhamento de processos, suporte de TI, equipe de apuração interna de informações, prejuízos contábeis e aos acionistas pelo provisionamento desses casos, o dano à imagem pela exposição massiva e injustificada no Judicário e até o desvio produtivo são exemplos de linhas de despesas que podem sim potencializar demandas - absolutamente legítimas - de fornecedores de serviços ou produtos em face de consumidores. Muito cuidado, consumidores. As empresas podem pedir "truco".
Hugo Filardi é sócio da Hugo Filardi Advogados. É bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ).
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