Jurimetria como aliada da prática jurídica: muito além dos dados | Análise
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Jurimetria como aliada da prática jurídica: muito além dos dados

Vanessa Louzada, advogada, CEO e cofundadora da Deep Legal

21 de December de 2023 7h

A adoção de modelos estatísticos na predição jurídica tem sido um tema recorrente no debate público e nas bancas de advocacia em todo o país. Recentemente, acompanhamos uma decisão da Justiça Trabalhista reafirmando que o uso da jurimetria para monitoramento, comparação e análise preditiva não configura fraude processual.

A ação em questão foi movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a empresa de tecnologia Uber, alegando que os acordos trabalhistas realizados pela empresa com base em dados públicos extraídos da Justiça iriam contra os interesses da coletividade.

Na decisão, a juíza Sandra Maria Generoso Thomaz Ledecker, da 32ª vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG), destacou que o uso das ferramentas de jurimetria é admitido no ordenamento jurídico brasileiro e lembrou que um mesmo fato pode ter interpretações distintas do julgador a depender da distribuição do processo, não gerando assim uma manipulação da jurisprudência ao utilizar os dados estatísticos de processos semelhantes em tramitação. 

A juíza ressaltou ainda que a tecnologia já está incorporada ao cotidiano das pessoas, inclusive no Direito, setor que sempre se baseou na jurisprudência como orientação de teses.

O fato é que, como bem colocado pela magistrada, a tecnologia tem avançado exponencialmente nos últimos anos e trouxe grandes transformações nas organizações, no modo de pensar e no modelo de trabalho, tanto no Direito, quanto nas demais áreas da economia.

Além da jurimetria, termos como big data, realidade virtual, automação, Inteligência Artificial, blockchain, legal design e legal operation, por exemplo, passaram a fazer parte do vocabulário diário dos operadores jurídicos, que já se deram conta da transformação que estamos vivenciando.

Esses métodos podem e devem ser vistos como aliados pelos profissionais, uma vez que todas essas inovações são oportunidades nunca antes vistas no dia a dia jurídico, otimizando o tempo na realização das tarefas desempenhadas pelos advogados e promovendo um trabalho mais assertivo, com maior previsibilidade e aumento de produtividade.

Vale lembrar que em função do grande número de processos judiciais, sistemas existentes, fontes legislativas, diversas publicações científicas na área do Direito e as complexas informações de negócios jurídicos realizados pelo mundo corporativo, uma gigantesca quantidade de dados é produzida diariamente. E, neste contexto, existe uma demanda crescente para a utilização e análise de big data, aliada ao uso de Inteligência Artificial (computação cognitiva), estatística descritiva e inferencial, predição, automação de procedimentos, entre outras técnicas para auxiliar as dinâmicas existentes no ecossistema jurídico.

Na prática, a jurimetria é uma aliada valiosa no dia a dia do jurídico em diversas áreas e níveis. No ano passado, ao escrever sobre o tema para o livro "Legal Innovation: o Direito do Futuro e o Futuro do Direito", da editora Revista dos Tribunais, destaquei as quatro vantagens que julgo serem as principais:

● Segurança jurídica, celeridade e legitimidade do sistema jurídico brasileiro. Os padrões e as tendências identificadas pela jurimetria auxiliam o juiz na decisão, ao aliar fundamento da base legal a fatores humanos e sociais no momento de proferir uma sentença;

● Transparência, facilitação e previsibilidade da complexidade do Poder Judiciário, de modo a melhorar a eficiência para os atores envolvidos no ecossistema, identificando áreas de gargalo e oportunidades de otimização;

● Estratégias de administração privada. Ter métodos para reunir e analisar dados processuais de forma objetiva permite que os juristas consigam ampliar seus conhecimentos sobre os elementos daquela demanda, de forma a ganhar insights competitivos e uma visão mais ampla e estratégica para sua atuação no setor jurídico;

● Analisar a eficácia de legislações existentes e desenvolver novas legislações diante das recorrentes demandas da sociedade.

É importante lembrarmos que a jurimetria não substitui o conhecimento teórico dos profissionais, o estudo do caso concreto, da doutrina, da análise jurídica.  Ela deve ser inserida na prática jurídica como uma aliada, como os laudos e exames se apresentam para a medicina, dando mais munição para os profissionais se concentrar em outras habilidades, que dependem do fator humano,  tais como a sensibilidade ao atender o cliente, colaboração entre a equipe, relacionamento com outros profissionais, comunicação simples, interpretação hermenêutica, capacidade analítica dos dados apresentados, auxílio na resolução de problemas e forte atuação intelectual na elaboração de conteúdo.

Reafirmo aqui que os modelos estatísticos quaisquer que sejam não buscam uma padronização das decisões judiciais por um conceito racional extraído de um conjunto de decisões organizadas por grupos de assuntos anteriores. Sempre haverá um juiz com livre convencimento dos fatos decidindo o assunto submetido ao seu poder decisório de resolução de conflito social. Ou seja, se a jurimetria tem um caráter probabilístico e não determinístico, como ela poderia influenciar ou manipular a jurisprudência como argumentaram os autores da ação contra o Uber?

Para nós, profissionais do Direito, cabe entendermos que a transformação trazida pelas tecnologias emergentes é multidimensional com desafios e oportunidades. A partir disso, vem a necessidade de uma nova consciência e uma nova postura para nos adaptarmos a essa realidade, desenvolvendo novas competências para lidar com as inovações de forma ética e para sermos melhores em nossas habilidades humanas.

Vanessa Louzada é advogada, CEO e cofundadora da Deep Legal, lawtech especializada em inteligência artificial e gestão preditiva.

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