JUCESP e a burocracia na era digital | Análise
Análise

JUCESP e a burocracia na era digital

Por Fernanda Ferrari, sócia do PLKC Advogados

31 de July 16h21

A Junta Comercial de São Paulo (JUCESP) voltou a exigir obrigações em desuso: empresários agora precisam registrar a publicação de atos societários antigos para poder arquivar novos documentos. Mesmo quando aqueles atos já estejam devidamente registrados e disponíveis no próprio sistema da JUCESP.

A justificativa? Um artigo da Lei das S.A. promulgada há quase 50 anos.

Para entender o despropósito dessa prática na atualidade, é preciso voltar a 1976. Naquela época, a comunicação era completamente diferente. Mandar uma mensagem instantânea era ficção científica, jornais só existiam no papel, cartas demoravam semanas para chegar ao seu destino, e fazer uma cópia de documento era privilégio de quem tinha acesso a máquinas especiais. Não existiam fax, pager, SMS, e-mails ou qualquer forma de comunicação digital. A internet comercial só surgiria quase duas décadas depois.

Publicar atos em jornais e afixar editais na porta da empresa era a única forma de garantir publicidade e transparência aos interessados.

Era um mundo analógico e a informação circulava lentamente e com enormes limitações geográficas e temporais. As empresas dependiam de meios físicos para qualquer comunicação oficial, e o acesso a dados empresariais exigia deslocamento presencial até as juntas comerciais.

Retornando aos dias atuais, em que vivemos uma era digital e todas as informações estão literalmente na palma de nossas mãos, o parágrafo 5º do artigo 289 da Lei das S/A simplesmente não conversa mais com a realidade. A própria JUCESP, que agora exige comprovação de publicações, oferece gratuitamente o acesso completo e irrestrito a todos os atos registrados das empresas paulistas em seu portal eletrônico.

Ou seja, a informação já está pública, transparente e acessível a qualquer pessoa interessada, 24 horas por dia, sete dias por semana, de qualquer lugar do mundo. O sistema digital da JUCESP é inclusive mais eficiente que as antigas publicações em jornais, permitindo buscas por nome, CNPJ, tipo de ato, período, entre outros filtros que facilitam enormemente o acesso à informação.

Então, por que insistir em registros que comprovem publicações antigas, quando esses mesmos atos já estão arquivados nos sistemas oficiais com livre acesso a qualquer interessado? Por que criar uma camada adicional de burocracia quando a finalidade da norma - dar publicidade aos atos - já está plenamente atendida?

A resposta parece óbvia: pura burocracia desnecessária que beneficia apenas quem lucra com a complicação do sistema.

Cada nova exigência burocrática representa mais tempo perdido, mais pessoas envolvidas no processo, e mais custos diretos para as empresas, especialmente as menores, que já operam com orçamento apertado e estruturas enxutas. Para sociedades de capital fechado e de menor porte, esses entraves burocráticos representam um fardo desproporcional na sua capacidade de crescimento e competitividade no mercado.

Há ainda os custos indiretos: taxas, honorários advocatícios adicionais para lidar com a burocracia extra, tempo de profissionais qualificados desviado de atividades produtivas para cumprir formalidades completamente vazias. Tudo isso para comprovar algo que já está comprovado e disponível publicamente.

O mais irônico é que desde 2018 o país possui legislação específica para acabar com exigências desnecessárias, inclusive com um "Selo de Desburocratização" destinado a órgãos que efetivamente simplificam seus processos administrativos e eliminam entraves burocráticos. Difícil imaginar a possibilidade de a JUCESP merecer esse reconhecimento diante dessa prática notadamente retrógrada.

E surge uma pergunta incômoda: a quem essa volta de exigências antigas e burocráticas realmente beneficia?

É legítimo questionar se não estamos diante de um caso de captura regulatória, onde interesses privados específicos influenciam decisões administrativas em detrimento do interesse público geral.

Se a intenção fosse garantir publicidade dos atos societários, a moderna plataforma digital da JUCESP já cumpre perfeitamente esse papel, com muito mais eficiência e alcance. As informações ficam ordenadas e separadas por empresa e não dispersas em diversos dias de publicação e em diferentes jornais. Se fosse assegurar segurança jurídica, os documentos devidamente arquivados possuem fé pública reconhecida por lei.

Restaria o quê? Manter um ritual burocrático completamente sem sentido ou proteger interesses econômicos específicos de setores que resistem ativamente à modernização?

A situação se torna ainda mais contraditória e constrangedora quando observamos que países desenvolvidos têm caminhado na direção oposta, focando em automatização de tarefas e digitalizando processos administrativos para tornar o ambiente de negócios mais competitivo, ágil e atrativo para investimentos nacionais e estrangeiros.

Empresários, advogados, entidades de classe e a sociedade civil devem se unir e cobrar mudanças urgentes dessa postura anacrônica e prejudicial ao desenvolvimento econômico. Retomar processos baseados exclusivamente em normas de meio século atrás, que foram completamente superadas pelas modernas tecnologias de comunicação e acesso à informação, só contribui para que o Brasil continue figurando constrangedoramente entre os países mais burocráticos e menos eficientes do mundo para empreender.

Essa resistência à modernização dificulta diretamente a criação de um ambiente de negócios moderno, ágil e verdadeiramente competitivo, elemento essencial para o desenvolvimento econômico sustentável e para a atração de investimentos nacionais e estrangeiros.

A tecnologia avançou drasticamente. É hora das leis e das práticas administrativas acompanharem essa evolução.

Fernanda Ferrari é sócia do PLKC Advogados. Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo, Pós-graduação em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas e Mestrado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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