As pesquisas apontam que as desigualdades de gênero em relação aos salários e ao número de horas utilizadas para o cuidado de pessoas e realização de afazeres domésticos permanecem, apesar das mulheres terem mais anos de estudo e já participarem de maneira maciça no mercado de trabalho. Tal fato, conforme a teoria, decorre do denominado sexismo automático, que faz com que seja replicado de forma inconsciente atitudes socialmente estabelecidas como naturais, mascarando-se toda a construção vigente e tornando compulsórias as características pré-estabelecidas.
O lugar das mulheres parece ter sido sempre definido pelos homens, seja na biologização das características ditas femininas, seja quando da necessidade de ocupação dos espaços para preenchimento das quotas revolucionárias ou da mão-de-obra durante os períodos das grandes guerras. Uma vez suprimida essa necessidade o destino era retornar para o ambiente doméstico. Verifica-se, portanto, que construções sociais vêm, ao longo dos séculos, determinando as características e condições de convivência entre os sexos, estabelecendo também como se daria o exercício do poder que, apesar de ser dinâmico e em contínuo movimento não impede que alguns indivíduos estejam mais frequentemente em condições de subordinação, como se percebe no caso das mulheres.
Para tanto, objetivou-se a disciplinarização dos corpos, minimizando a resistência feminina, e tornando o exercício de poder um espaço mal explorado pelas próprias mulheres que ao se relacionarem com ele - o poder - sentem como se estivessem no limiar da heresia, ou ocupando espaços por mero favor ou benevolência de outrem, visto que as relações de exercício de poder ainda estão carregadas de estereótipos de gênero.
Portanto, é sempre importante retomar a história das mulheres, com o intuito de relembrar as construções sociais que alicerçaram os sentimentos que permeiam as contemporâneas, não sendo as mesmas, simples consequências de um destino biológico. Seria muito mais singelo entender os seres humanos binariamente, homens e mulheres e seus destinos irretocáveis, baseados, em seu suporte corpóreo, mas o que se tem na humanidade são relações sociais fundamentadas em forte incentivo cultural que estabelece o lugar de cada um dos gêneros de acordo com uma visão pré-concebida de predicado e não embasado em suas melhores características pessoais.
Diante de todo o exposto, pode-se pensar um pouco sobre a condição feminina na atualidade, que é resultado de todo esse processo anterior. É inegável que os últimos anos foram de grandes mudanças, pautadas muito em inovações tecnológicas, todavia também em novos arranjos sociais, situação que claramente afetou as mulheres, seja em função da alteração de perspectivas, ou em função dos novos espaços duramente conquistados.
Vive-se em uma época que as questões femininas ganham mais força, sendo destaque em inúmeras ciências, principalmente às ligadas ao estudo da sociedade, repensando-se assim todos os conceitos de gênero existentes. No entanto, percebe-se a manutenção do que se denomina sexismo benevolente, ou seja, mais sutil e sofisticado, característica que torna ainda mais difícil sua identificação e enfrentamento. O sexismo benevolente reflete em dados do mercado de trabalho, que apontam apenas 37,8% das mulheres ocupando cargos gerenciais, apesar de representarem metade da força de trabalho.
Pensar sobre os motivos que geram tal situação é necessário, mormente por um elemento marcante e motivador para que tal situação ainda permaneça: a divisão sexual do trabalho. No momento em que há maior dedicação das mulheres nas atividades domésticas, incluindo cuidado com casa e pessoas, haverá uma menor possibilidade de dedicação para outras atividades, perpetuando e reproduzindo um ciclo vicioso de falta de representatividade, que gera falta de políticas públicas e dificuldade de saída do status quo.
Então, o que se percebe na teoria e se identifica empiricamente é que as mulheres que assumiram postos de poder nas organizações o conseguiram adaptando suas vidas e personalidades ao ideário esperado por aquele cargo, ideário este originalmente masculino, obrigando a adaptação da identidade da mulher ao ambiente organizacional.
No entanto, mesmo assim, ainda foi possível observar a manutenção da segregação das atividades nos ambientes de trabalho, tanto horizontal como verticalmente, muitas vezes com a restrição das mulheres a certas atividades, criando os chamados guetos genderizados, ou dificultado sua ascensão profissional, o que foi denominado de teto de vidro.
A situação de reconhecimento de direitos tem sido lenta, irregular e nem sempre marcada por objetivos nobres e valores morais puros e desinteressados. Mesmo assim, apesar das contaminadas tramas da história, com contraditórios interesses, não é possível negar que ocorreram mudanças sociais consideráveis, ao menos dentro da civilização ocidental, que empoderaram as mulheres e permitiram a conquista de espaços.
Apesar de tudo, pode-se acreditar que uma primavera feminista se avizinha, ganhando o estudo sobre o papel da mulher na sociedade, um espaço nunca pensado e em ambientes nunca explorados, resultado de terem sidos trazidos à tona e tornados visíveis as questões de gênero, espaço e poder.
No entanto, pelo tudo exposto até aqui, somente será possível a concretização da igualdade por intermédio de uma necessária mudança dos conceitos relacionados aos ideários maternos, assim como uma maior divisão das tarefas domésticas e de cuidado com pessoas, além da importante discussão sobre a manutenção do sexismo automático e benevolente. Situações que podem ser mudadas com o reforço da necessidade da igualdade de gênero e uma educação que permita que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades e obrigações, de forma a gerar um círculo virtuoso de benefícios e oportunidades para toda a sociedade.
Invisibilidade e protagonismo: a conquista de independência da mulher no mercado jurídico
Por Ana Carolina Tavares Torres, gerente executiva jurídica do Grupo Sabemi
4 de November de 2020 8h