Não é de hoje que a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), tem assumido um papel de protagonismo quanto à regulamentação da Inteligência Artificial, no Brasil. Criada em julho de 1997 (Lei 9.472/97), o órgão tem buscado ampliar sua competência para além da telefonia e radiodifusão.
Essa atuação ficou registrada, quando em 2023, a ANATEL apresentou parecer ao Projeto de Lei 2338/2023 (Senado Federal), reivindicando funções da proposta legislativa como atribuídas a uma "autoridade competente", designada pelo Poder Executivo, responsável por zelar pela implementação e fiscalização da norma.
Observando o projeto de lei, é inegável a importância que terá essa autoridade, já que ela não somente exercerá funções administrativas, como também, terá poder de polícia, aplicando sanções aos agentes de inteligência artificial que descumprirem o regulamento.
Realmente, a autarquia vinculada ao Ministério das Comunicações, tem intensificado o debate sobre inteligência artificial, passando a cobrar de seus fiscalizados - com maior ênfase, operadoras de telecomunicações - informações quanto ao uso de inteligência artificial na prestação de serviços e sobretudo, no tratamento dos dados de seus usuários.
Por outro lado, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada em 2018 (MP 869/2018, Lei 13.853/2019), também reivindica para si o protagonismo quanto ao poder de fiscalização da inteligência artificial, no território nacional, destacando sua relevância na área da tecnologia, eis que criada, justamente, para o fim de fiscalizar a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18).
Recentemente, a ANPD conseguiu ser indicada como órgão de coordenação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), por meio de emenda ao PL 2338/2023, o que implicaria em ampliar sua atuação, ganhando representação internacional sobre o tema, além de competência para expedir normativas gerais, dentre outras atribuições.
Mas, afinal, seria mesmo a ANATEL ou a ANPD, as melhores opções para atuar como autoridade, em termos de representação, aplicação e fiscalização do uso de Inteligência Artificial?
Antes de encontrar uma resposta, verifiquemos a experiência global, a fim de buscar premissas que poderiam servir como fontes de inspiração ao modelo brasileiro.
Pois bem. A autoridade competente em IA dos EUA, foi criada em 2021, sendo o Escritório Nacional de Iniciativa de Inteligência Artificial (National Artificial Intelligence Initiative Office), responsável pela centralização federal dos atos de coordenação, implementação e cumprimento da lei que regulamenta, de forma geral, a inteligência artificial no País (National Artificial Intelligence Initiative Act of 2020).
Já, na Europa, também foi estabelecido um escritório de inteligência artificial (European AI Office), responsável pela implementação, creditação e articulação da tecnologia, aos países membros do bloco, garantindo a observância do regulamento de Inteligência Artificial da Europa (AI Act - Regulation 2024/1689). A competência deste escritório é exclusiva e restrita aos assuntos de inteligência artificial, no intuito de prestar melhor suporte aos Estados integrantes, no cumprimento das obrigações relacionadas ao regulamento europeu.
Ou seja, a experiência dos modelos mencionados, aponta para a criação de uma nova autoridade, exclusivamente responsável pelo papel central de implementar e fiscalizar a inteligência artificial no Brasil, dada a complexidade e a importância dessa tecnologia, inclusive, para as próximas gerações.
Isto porque, em um cenário como o nosso, repleto de setores econômicos, cada qual com suas características, obrigações e necessidades de negócios, o ideal é que a autoridade responsável consiga exercer a articulação necessária para garantir o desenvolvimento seguro e responsável da inteligência artificial, preservando os interesses da sociedade.
Cada uma das autarquias mencionadas aqui neste artigo (ANATEL e ANPD), julgam possuir as características necessárias para o bem desenrolar das atribuições exigíveis em IA tendo, ambas, argumentos relevantes para liderar a regulamentação.
Entretanto, como partes indissociáveis de uma estrutura orçamentária e regulamentar já existente e voltadas, especificamente, para temas de grande importância nacional, preocupa a possibilidade de engessar a eficácia das suas respectivas atuações, já exercidas (e de eventuais novas), em aplicando seus poderes para que atuem, também, com relação à inteligência artificial, de um modo geral.
Ao nosso ver, seria mais indicada a criação de uma nova estrutura, formada a partir da premissa da atuação multidisciplinar e multissetorial, que exige um tema tão complexo quanto é a regulação da inteligência artificial no Brasil. Essa autoridade, dotada de independência, previsão orçamentária e quadro de pessoal especializado na temática, exerceria os papeis principais de orientação, disseminação e fiscalização, quanto ao futuro regulamento brasileiro. As
autarquias reguladoras, poderiam exercer atribuições relevantes de orientação e fiscalização específicas, quanto a aplicação de IA em seus respectivos setores.
Enquanto ainda está pendente a discussão acerca da regulamentação da inteligência artificial no Brasil, é possível repensar a figura da autoridade competente, como um novo agente governamental, voltado exclusivamente para tratar sobre IA.
Anderson dos Santos Araújo é sócio do Goulart Penteado Advogados. Graduado em direito pela UNIP, possui uma especialização em direito processual civil pela PUC-SP e um LLM em direito empresarial pela FGV.
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