Inteligência artificial e o vácuo jurídico do futuro do trabalho | Análise
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Inteligência artificial e o vácuo jurídico do futuro do trabalho

Por André Dantas, head do André Dantas Advogados

6 de November 17h39

A inteligência artificial já não é mais uma promessa distante, ela está integrada ao dia a dia das empresas, moldando processos de contratação, demissão, avaliação de desempenho e até mesmo decisões estratégicas. Mas, enquanto a tecnologia avança em ritmo acelerado, o direito ainda caminha a passos lentos. Vivemos um descompasso perigoso entre o que é possível fazer e o que é legalmente permitido.

O maior desafio jurídico, hoje, é acompanhar a velocidade dessa transformação. A IA muda mais rápido do que o arcabouço normativo consegue reagir. Empresas que apostam em automação precisam garantir que seus algoritmos respeitem princípios como transparência, não discriminação e proteção de dados pessoais, especialmente quando essas decisões afetam pessoas.

Um bom exemplo da dimensão dessa mudança vem do relatório PwC Global AI Jobs Barometer 2025, que mostra como o mercado brasileiro se transformou em poucos anos: o número de vagas que exigem conhecimento em inteligência artificial quadruplicou entre 2021 e 2024, saltando de cerca de 19 mil para 73 mil oportunidades. Além disso, os salários dessas posições cresceram duas vezes mais rápido do que os de funções que não envolvem IA.

O dado é revelador. Ele mostra que quem domina a tecnologia está em vantagem, mas também expõe uma pressão crescente por adaptação e, em alguns casos, por substituição. Enquanto o mercado acelera a digitalização, o direito ainda busca entender como lidar com seus impactos éticos, sociais e trabalhistas.

Entre o progresso e a proteção

O país até tem avanços importantes, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que garante o direito à revisão humana em decisões automatizadas. No entanto, ainda carecemos de uma legislação que trate diretamente dos impactos da substituição de profissionais por sistemas inteligentes.

Hoje, há projetos de lei tramitando no Congresso, mas o debate segue inicial. O desafio é encontrar o equilíbrio entre incentivar a inovação e proteger o trabalhador. Afinal, o desenvolvimento tecnológico não pode ser desculpa para precarizar relações de trabalho ou eliminar a dimensão humana das decisões empresariais.

Muitos gestores acreditam que, ao adotar sistemas automatizados, reduzem os riscos. É o oposto. Quando um algoritmo reproduz vieses, rejeitando, por exemplo, currículos com base em gênero, idade ou CEP, a responsabilidade recai sobre a empresa. O uso de IA não é um escudo jurídico.

É preciso haver supervisão humana constante, auditoria dos sistemas e uma postura ética ativa. A segurança jurídica, nesse campo, depende menos da letra da lei e mais da maturidade das organizações em aplicar boas práticas de governança e respeito aos direitos fundamentais.

O trabalhador diante da máquina

Do outro lado da equação, os trabalhadores também precisam se proteger. Têm direito de saber quando estão sendo avaliados por um sistema automatizado e quais critérios são usados. Mais do que isso: sindicatos e entidades de classe precisam se atualizar, negociando cláusulas sobre o uso ético da IA em convenções coletivas.

O diálogo coletivo será essencial para que a automação não se torne uma forma moderna de exclusão. A tecnologia deve ampliar oportunidades, não restringi-las.

A urgência de uma regulação inteligente

O Brasil precisa preencher lacunas urgentes: definir a responsabilidade civil e trabalhista envolvendo a IA, criar regras específicas para decisões automatizadas e investir em políticas de requalificação profissional. Não basta regular o uso, é preciso preparar as pessoas para coexistir com as máquinas.

A automação deve ser um instrumento de progresso, mas com o ser humano no centro. Se a lei não acompanhar essa transformação, corremos o risco de delegar ao algoritmo não apenas decisões, mas também valores.

O futuro do trabalho não pode ser escrito em código, precisa ser escrito em consciência.

André Dantas, advogado com expertise em processo legislativo e Direito Público, Head do escritório André Dantas Advogados.

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