Inovar é identificar o problema antes de buscar a solução | Análise
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Inovar é identificar o problema antes de buscar a solução

Por Patrícia Helena Martins, sócia na área de Tecnologia e Inovação, do TozziniFreire Advogados

19 de October de 2023 18h

Falar de inovação é falar sobre a história da humanidade e sua evolução. O fogo, a escrita, o motor a vapor, a lâmpada e, mais recentemente, a internet e a inteligência artificial são alguns exemplos de grandes inovações que transformaram a vida.

Ao comparar inovações, Andrew NG afirma que a IA é a nova eletricidade¹. Assim como visto pela última vez na Revolução Industrial, a IA deve transformar incontáveis negócios, profissões, trabalhos e tarefas.

Resultado da busca por soluções aos desafios de cada época, a inovação não se reduz a um conceito único e sua aplicação não está restrita a um campo do conhecimento. Há uma infinidade de aplicações, áreas, contextos e setores em que o ato de inovar está presente, para a criação de novas ideias, processos, serviços ou produtos.

A inovação empresarial surge a partir da ideia de "destruição criativa" na década de 1930, ressaltando o papel da inovação no desenvolvimento econômico e no fortalecimento das empresas. Atualmente, esse conceito reflete a busca por soluções inovadoras para enfrentar obstáculos e falhas nos negócios.

E, em razão de tamanha importância, as empresas têm direcionado cada vez mais esforços para inovar. O estudo "PD&I e inovação aberta no Brasil", da Deloitte, destaca que, em 2022, a inovação estava presente no core de 69% das empresas entrevistadas, sendo que 51% expressaram a intenção de expandir os investimentos em TIC nos próximos três anos².

E o que a busca pela inovação tem a ver com a importância da identificação do problema a ser solucionado?

A inovação não está somente na ponta final; deve estar presente em todas as etapas do método de solução do problema.

Não é possível criar uma solução eficaz se o problema que a originou não foi identificado e compreendido em sua totalidade. Logo, o plano de ação para o desenvolvimento de uma solução deverá passar, primeiramente, pela correta identificação do problema.

Muitas vezes, a urgência de propor uma resposta criativa e de apresentar uma solução nova de forma veloz impede o cuidado que se deve ter com o processo. Mas, não há espaço para atalhos: a inovação não é apenas sobre o resultado. O caminho que se percorre definirá a consistência daquela solução.

Nosso dia a dia é permeado por cases emblemáticos. Diversas soluções disruptivas foram criadas pela identificação de demandas de consumo não atendidas - aplicativos de delivery de alimentos, transporte individual de passageiros, envio de mensagens eletrônicas e streaming de vídeos.

Todos esses serviços e/ou produtos solucionaram algum problema, como a necessidade de se deslocar para alugar um filme ou comprar uma refeição. Tamanha foi a transformação causada por tais soluções que hábitos, costumes e até mercados deixaram de existir.

Por isso, inovar é identificar o problema antes da solução. E, na prática, o ambiente jurídico brasileiro também nos traz vários bons exemplos.

O processo eletrônico adotado no Poder Judiciário brasileiro a partir de 2006 foi uma solução criada em resposta à morosidade, ao grande volume de papéis, à necessidade de deslocamento para realização de atos processuais, entre outros pontos que dificultavam o acesso à Justiça.

O Relatório Justiça em Números 2023, do CNJ, confirmou os benefícios dessa transição³. Os processos eletrônicos solucionados em 2022 tramitaram na média 2 anos, enquanto os processos físicos atingiram a média de 7 anos e 9 meses. Redução de quase três vezes no tempo médio de tramitação.

As LawTechs e LegalTechs também são ótimos exemplos de como a identificação e a busca por soluções para os desafios enfrentados no Direito impactou a inovação no mercado jurídico.

Nos últimos anos, o Brasil vivenciou um crescimento de startups de soluções de tecnologia para o setor jurídico. Segundo o Radar da AB2L, são quase 150 startups jurídicas no país⁴, sendo que, entre 2017 e 2019 esse número sofreu um aumento de 300%.

Plataformas de análise e gestão de dados, automação e organização de documentos, gerenciamento de informações e uso de IA para suporte interno são soluções desenvolvidas para aprimorar atividades em escritórios e departamentos jurídicos, modernizando e otimizando seus serviços.

Um outro desafio significativo no campo do Direito é tornar a matéria jurídica acessível ao público em geral, dada a linguagem técnica que dificulta a comunicação entre profissionais jurídicos e cidadãos, prejudicando o acesso à Justiça e a eficácia e receptibilidade dos documentos.

Para abordar esse desafio, técnicas de Legal Design e Visual Law ganharam força na criação de caminhos criativos, tornando o Direito mais acessível e compreensível. Atualmente, o uso destes métodos já encontra amparo na regulação e em iniciativas do Poder Judiciário.

Como exemplo, a Resolução n.º 347/2020 do CNJ estabelece que, sempre que possível, deverão ser adotados recursos de Visual Law que tornem a linguagem mais clara, usual e acessível.

Mais recentemente, na pesquisa "Elementos visuais em petições na visão da magistratura estadual" conduzida pelo grupo VisuLaw, constatou-se que juízes estaduais apoiam a técnica, pois entendem que tais recursos facilitam a leitura e a análise das petições⁵.

Ainda, o próprio STF utiliza tais técnicas no desenvolvimento de seus documentos oficiais, como é o caso do Relatório "Case Law Compilation"⁶ e do boletim "Repercussão Geral em Pauta"⁷, nos quais elementos gráficos contribuíram para uma visualização mais dinâmica e assertiva, facilitando a compreensão pela sociedade.

Mais um ótimo exemplo de que a inovação é um elemento poderoso na solução de desafios cotidianos.

Estas e outras iniciativas reforçam a importância de investir tempo na investigação do problema, conhecer a fundo o seu cliente e avaliar as verdadeiras causas das dificuldades enfrentadas por ele. Isso reduzirá incertezas e aumentará a eficácia de suas soluções, alinhando-as com as reais necessidades do seu público-alvo.

Referências:

¹Andrew Ng: Why AI Is the New Electricity. Disponível em: <https://www.gsb.stanford.edu/insights/andrew-ng-why-ai-new-electricity>. Acesso em: 16/10/2023. 

²PD&I e inovação aberta no Brasil. Disponível em: <https://www2.deloitte.com/br/pt/pages/strategy-operations/articles/pesquisa-desenvolvimento-inovacao-brasil.html>. Acesso em: 16/10/2023.

³Justiça em Números 2023. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/justica-em-numeros-2023.pdf>. Acesso em: 16/10/2023.

⁴Radar de Lawtechs e Legaltechs. Disponível em: <https://ab2l.org.br/ecossistema/radar-de-lawtechs-e-legaltechs/>. Acesso em: 16/10/2023.

⁵Elementos visuais em petições na visão da magistratura estadual. Disponível em: <https://bernardodeazevedo.com/wp-content/uploads/2022/10/pesquisa-visulaw-2021.pdf> Acesso em: 16/10/2023. 

⁶STF lança compilação em inglês de julgamentos sobre liberdade de manifestação. Disponível em <https://portal.stf.jus.br/internacional/content.asp?id=479862&ori=7&idioma=pt_br> Acesso em: 16/10/2023. 

⁷Boletim da repercussão geral divulgado pelo STF está com novo visual. Disponível em<https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=485829&ori=1> Acesso em: 16/10/2023.

Patrícia Helena Marta Martins é sócia nos grupos de prática de Tecnologia & Inovação e Cybersecurity & Data Privacy de TozziniFreire Advogados. Patrícia também possui ampla experiência nas áreas de Contencioso e Direito do Consumidor, assessorando clientes em questões contenciosas relacionadas a essas áreas, na prevenção de responsabilidade, discussão sobre responsabilidades de intermediários e defesa em ações coletivas. Também atua na coordenação de processos em tribunais superiores, bem como em contencioso cível de proteção de dados e interação com autoridades administrativas. Como especialista em Direito Digital, conduz casos envolvendo direito eleitoral digital, estruturando e gerenciando as atividades de monitoramento da posição das autoridades brasileiras em relação às Fake News, além de contribuir com sugestões ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a regulamentação eleitoral da publicidade eleitoral na internet.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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