Estudo revela como Brasil lidera fluxos de patentes na América Latina, impulsiona integração tecnológica e se consolida como hub regional de inovação e competitividade global.
Em uma economia cada vez mais baseada no conhecimento, proteger ativos de propriedade intelectual (PI) se tornou peça-chave no desenvolvimento econômico e tecnológico dos países. E, na América Latina, essa realidade vem ganhando força, com o Brasil assumindo um papel de destaque no cruzamento dos fluxos de patentes na região.
Um levantamento do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) mostra que, entre 2002 e 2021, o Brasil depositou 4.819 pedidos de patentes em países latino-americanos, volume superior ao total combinado de pedidos recebidos no Brasil por todos os outros países da região no mesmo período. A liderança brasileira não é apenas quantitativa, mas também estratégica.
Argentina e México são os principais destinos das patentes brasileiras, especialmente nos setores de engenharia mecânica e química. Subáreas como máquinas especiais, equipamentos de manuseio, química de materiais básicos e química orgânica fina estão entre os destaques. Empresas como Petrobras, Vale, Natura, Braskem e Embrapa puxam essa frente de internacionalização tecnológica, junto a universidades de ponta como USP, UNICAMP, UFRJ e UFMG.
O movimento não se limita às fronteiras regionais. Segundo o INPI, 81% dos pedidos de patentes depositados por brasileiros na América Latina também fazem parte de famílias de patentes que buscam proteção em grandes mercados globais, como Estados Unidos, Europa, China, Japão e Canadá. Isso reforça a estratégia de inserção dos inovadores brasileiros tanto no cenário regional quanto internacional.
Inovação regional também mira o mercado brasileiro
Empresas, universidades e centros de pesquisa da América Latina também enxergam o Brasil como mercado estratégico. Foram 2.456 pedidos de patentes depositados no país por latino-americanos no período analisado. México, Argentina e Chile concentram 71% desse total.
O estudo mostra ainda uma mudança relevante na última década. Enquanto a participação do México recuou, Chile e Colômbia registraram crescimento expressivo, indicando maior diversidade na origem das inovações direcionadas ao mercado brasileiro.
Os setores de química, com destaque para produtos farmacêuticos, biotecnologia e materiais básicos, lideram os depósitos feitos no Brasil. Cuba, Venezuela, México e Chile se destacam nesses segmentos, enquanto a Argentina mantém uma distribuição mais equilibrada, com forte presença também em engenharia mecânica.
Nas origens dos depósitos, há um equilíbrio entre setores público e privado. Instituições de pesquisa e universidades dominam os pedidos vindos de Argentina, Cuba e Chile, enquanto empresas mexicanas são protagonistas na busca por proteção no Brasil.
O dado que chama atenção é que 92% desses pedidos fazem parte de famílias internacionais, a maioria delas utilizando o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), o que demonstra uma clara estratégia de internacionalização por parte dos depositantes.
Parcerias crescem, mas uso de trâmites prioritários ainda é tímido
As parcerias também aparecem como peça importante nesse tabuleiro. Foram identificados 137 pedidos de patentes em cotitularidade com instituições dos Estados Unidos e 65 com entidades brasileiras, principalmente em colaborações com empresas do México e do Uruguai. Isso evidencia a integração do Brasil não só como mercado-alvo, mas como agente ativo na formação de redes tecnológicas na América Latina.
Por outro lado, a utilização de trâmites prioritários, que podem acelerar bastante a concessão do direito, ainda é muito tímida na região. Apenas 38 pedidos feitos por latino-americanos no Brasil utilizaram mecanismos de aceleração, como o Patent Prosecution Highway (PPH). A colombiana Forsa S.A., do setor de construção civil, foi a única a obter mais de uma concessão por meio desse recurso.
A baixa adesão levanta alertas sobre desafios estruturais, desde desconhecimento sobre os programas até limitações institucionais e financeiras, que dificultam o acesso a ferramentas capazes de acelerar a proteção de ativos tecnológicos.
Novos acordos apontam para uma América Latina mais conectada
Apesar das assimetrias, o cenário aponta para um avanço na integração regional. Brasil, Argentina, México, Colômbia e Chile lideram tanto no volume de depósitos quanto no uso do sistema de patentes como estratégia de internacionalização tecnológica.
Esse movimento de maior articulação regional também começa a se refletir em iniciativas de outros países latino-americanos. O ingresso do Uruguai no PCT, em janeiro de 2025, simplifica o processo de internacionalização das patentes uruguaias e fortalece as conexões com o Brasil e outros vizinhos. Já a Costa Rica se tornou, em dezembro de 2024, o primeiro país da América Latina a firmar acordo de validação com o Escritório Europeu de Patentes (EPO), permitindo que patentes europeias tenham validade em seu território.
O Brasil também dá sinais claros de modernização. O compromisso do governo de reduzir o tempo médio de concessão de patentes de quatro para dois anos até 2026, somado aos investimentos no fortalecimento do INPI, torna o país mais atrativo não apenas para inovadores nacionais, mas também para estrangeiros, incluindo os latino-americanos.
Startups no radar e uma região em transformação
Embora os dados mais robustos do estudo contemplem majoritariamente empresas consolidadas e universidades, o crescimento exponencial das startups na América Latina, especialmente no Brasil e na Argentina, projeta um novo ciclo de expansão do uso do sistema de patentes. Para startups, proteger inovações é cada vez mais estratégico para ganhar competitividade, atrair investimentos e consolidar seus negócios no mercado.
O papel do Brasil na construção de um ecossistema de inovação regional mais forte
Os dados mostram que a América Latina, apesar dos desafios, avança na construção de um ecossistema de inovação mais sólido, colaborativo e global. Expandir acordos internacionais, modernizar os sistemas nacionais de PI e estimular práticas de proteção conjunta são passos decisivos para consolidar a região como um polo tecnológico relevante.
O Brasil, com sua liderança demostrada, surge como ator-chave na articulação desse movimento, integrando cadeias produtivas, promovendo a circulação de tecnologias e elevando o protagonismo científico e tecnológico da América Latina no cenário global.
Por Camila Conegundes - Especialista em Patentes da Daniel Advogados
Larissa Alvarez - Coordenadora do Latam HUB da Daniel Advogados
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