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Impactos da pandemia nos contratos empresariais: como resolver?

Por Ane Elisa Perez e Raquel Lamboglia Guimarães, sócia e advogada do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

20 de July de 2020 8h

Com efeito devastador na economia e, por conseguinte, grande impacto aos contratos, a pandemia da Covid-19 tem gerado disputas e inseguranças sem precedentes no ambiente empresarial, especialmente pela quebra de expectativas em contratos celebrados antes da crise.

Diante disso, a aplicabilidade de certas teorias jurídicas é questionada de modo a socorrer as partes que estejam enfrentando disputas contratuais. Indaga-se se a pandemia configura caso fortuito ou força maior, se poderiam ser invocadas a teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, ou até mesmo sobre o inadimplemento eficiente do contrato.

Teorias do Direito Civil

Sobre caso fortuito e força maior, tratam-se de fatos "cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir". A configuração da pandemia nesses termos apenas eximiria o devedor de responder por prejuízos dela resultantes (art. 393, caput c/c parágrafo único).

Passando à teoria da imprevisão, o art. 317 determina que "quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação". Tal mecanismo de proteção do equilíbrio contratual pode, portanto, ser aplicado se houver um desbalanceamento na prestação. 

Contudo, tendo em vista o impacto praticamente homogêneo da crise a todas as partes, é difícil imaginar que a prestação de apenas uma delas tenha sido impactada. Além disso, depende-se de decisão judicial.

No mesmo sentido, a onerosidade excessiva protege o equilíbrio de contratos de execução continuada ou diferida. Conforme o art. 478, "se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato", a qual, "poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato" (art.479). Vale aqui, a conclusão anterior, de modo ainda mais severo, pois será difícil demonstrar excessiva vantagem a alguém nesse período.

Sobre o inadimplemento eficiente, cogitado por quem considera melhor pagar à outra parte as penalidades previstas e inadimplir o contrato, há grande controvérsia quanto à possibilidade de conciliar tal postura com a boa-fé requerida na condução dos negócios. Afinal, o inadimplemento não deve decorrer da simples vontade de uma das partes, mas da impossibilidade de realizar a prestação, sob pena de constituir-se como abuso de direito (art. 187, CC), de modo a contrariar os ditames da boa-fé e o fim econômico e social do contrato celebrado, lesando-se ilicitamente a parte contrária. Neste caso, prevalece a premissa de que contratos devem ser cumpridos.

Resta, então, a questão: se me encontro em disputa contratual decorrente do impacto da pandemia, como devo proceder?

Possíveis soluções

Cada contrato tem suas peculiaridades e não se podem desprezar as condições específicas do caso concreto. Mas ainda que não se tenha uma receita única para resolver todas as disputas, tem-se uma única direção a seguir: buscar a renegociação dos termos contratuais, sempre de boa-fé, compreendendo os prejuízos sofridos pelas partes e alcançando uma solução equânime, satisfatória a ambos os lados.

O Poder Judiciário não é a melhor via para tal. Além de sobrecarregado pela enorme quantidade de demandas, possivelmente, emitirá decisão que implicará perda de uma das partes, e o prejuízo sofrido poderá levar à inviabilização dos seus negócios.

Portanto, o método mais recomendável para resolver as disputas contratuais é a mediação por terceiro imparcial, que consiga compreender os interesses envolvidos, os prejuízos sofridos e os riscos de cada parte, para compor uma solução intermediária. Tal mediação pode não somente ser conduzida por advogados e técnicos no tema do objeto do contrato, como também ser acompanhada por tais profissionais, garantindo a adequada compreensão do problema.

O próprio Código de Processo Civil estimula o uso de mecanismos consensuais de resolução de disputas (art. 3º, §2º e §3º). Afinal, adotando meios amigáveis de autocomposição de interesses, há maiores chances de alcançar um resultado rápido e com menores prejuízos às partes, bem como de manter os contratos e o bom funcionamento da atividade econômica no país.

Regramentos normativos

Para além deste dispositivo, citam-se também a própria Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), essa última que, apesar de não se constituir como um método consensual de conflitos, fornece do mesmo modo uma alternativa eficaz e célere na solução dos problemas nos contratos empresariais advindos da crise atual. No mais, a Emenda Constitucional nº 45/2004 - responsável por reformar o Poder Judiciário e criar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - e a Resolução nº 125/2010 do CNJ são de extrema importância para a difusão e para o incentivo dos métodos consensuais no Brasil. Além disso, a própria nota técnica elaborada conjuntamente pela Comissão de Arbitragem, da Advocacia na Mediação e na Conciliação e de Práticas Colaborativas da OAB-SP acerca de orientações para mitigação dos efeitos negativos da pandemia, dispondo sobre as condições a serem ponderadas no âmbito da resolução de litígios, pode fornecer um importante norte para este momento de grandes incertezas.

Assim sendo, em meio a esse cenário, no qual mais problemas e indagações surgem do que soluções, os conflitos empresariais advindos ou agravados pela pandemia atual da Covid-19 encontram certo alento na possibilidade da utilização de mecanismos consensuais, principalmente a mediação, para sua resolução tão logo que surjam. Contudo, se pretendem recorrer a esses métodos extrajudiciais, é preciso que as partes a envolvidas estejam atentas a todas as questões que podem levar a disputas contratuais, que com certeza surgirão em alto número, tudo para evitar abusos e ilícitos, bem como para garantir, em última análise, que a máxima "os contratos nascem para serem cumpridos" seja de fato assegurada em sua integralidade.

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