Home equity: alienação fiduciária no âmbito das fintechs | Análise
Análise

Home equity: alienação fiduciária no âmbito das fintechs

Gabriella Machado, advogada do Lima ≡ Feigelson Advogados

12 de August de 2021 8h

Nos tempos atuais, no qual o mundo preza pela agilidade e facilidade na obtenção de informações e na tomada de decisões, as empresas que unem a tecnologia ao seu core business, observando os limites legais, passam a ganhar destaque no mercado. Neste sentido, se pode afirmar que as fintechs estão revolucionando o mercado de crédito ao realizarem a desbancarização e concederem crédito a população em geral com flexibilização de garantias.

Dentro do mercado das fintechs, destaca-se a modalidade de crédito do "home equity", sendo essa uma modalidade de empréstimo que ocorre mediante a concessão de um bem imóvel em alienação fiduciária como garantia de pagamento. Tal garantia pode ser compreendida pela transferência, pelo devedor ao credor, da propriedade do imóvel até que seja feito o pagamento da dívida, permanecendo o devedor com a posse do bem. A principal vantagem é que o beneficiário terá um crédito com juros mais baixos, uma vez que dará um imóvel em garantia para a instituição credora, reduzindo o risco de crédito pelo tipo de garantia concedida.

Além da hipótese da tomada de empréstimo, a mesma estrutura de garantia também está presente na contratação de financiamentos, como na compra de um carro financiado, por exemplo, quando o devedor concederá o próprio carro em garantia. Caso o devedor não arque com as parcelas devidas, o banco possuirá a propriedade do bem que quitou em nome do devedor. Ambos os casos, seja de empréstimo financeiro ou financiamentos, comumente utilizam a alienação fiduciária como forma de garantia da operação, sendo esta regulamentada de acordo com a Lei nº 9.514/97.

Se mostra em ascensão a utilização da alienação fiduciária de bens imóveis como garantia real nessas operações de crédito, substituindo gradativamente a garantia hipotecária, especialmente em razão da morosidade existente para a execução da hipoteca. Desta forma, as credoras passaram a baratear o crédito, tendo em vista que a alienação fiduciária é uma garantia mais líquida e segura para o credor, possibilitando uma rápida recuperação do capital investido.

Sendo assim, pode-se afirmar que a Lei nº 9.514/97 acabou por privilegiar as instituições credoras e, também, as construtoras e incorporadoras, ao permitir mecanismos mais eficientes de resgate do recurso emprestado e garantia de pagamento do que os historicamente existentes. Ainda, a possibilidade de venda do bem através do procedimento de leilão público extrajudicial assegura maior celeridade e segurança ao processo de recuperação das dívidas, se comparado ao demorado e litigioso processo de execução de outras garantias reais, como a já comentada hipoteca, que demanda procedimento judicial.

Entretanto, independentemente da facilidade da execução da alienação fiduciária, é de suma relevância que a empresa credora, anteriormente a efetiva concessão do crédito, realize auditoria de modo a avaliar minimamente os riscos envolvidos na operação, principalmente no que tange a disponibilidade do bem imóvel que será objeto de garantia. Concluída a auditoria e não havendo qualquer risco que inviabilize a operação de crédito, serão elaborados os documentos para sua formalização.

Integrará a documentação da operação o contrato de empréstimo financeiro com garantia de imóvel, o instrumento de garantia de alienação fiduciária ou quaisquer outros acordos e compromissos que envolvam a relação entre o credor e o beneficiário do empréstimo, inclusive aqueles preliminares porventura existentes. Os documentos deverão dispor de forma clara sobre o valor da dívida, taxas de juros e multas incidentes no recurso concedido em empréstimo, as condições e o prazo de pagamento, declarações que concedam maiores garantias à credora, entre outros diversos aspectos.

Com destaque ao próprio contrato de alienação fiduciária, alguns itens merecem maior atenção no momento de sua elaboração, já que poderão auxiliar todos os envolvidos na operação. O referido documento deverá fazer constar a descrição completa e clara do imóvel alienado, especificando a matrícula imobiliária de referência, cláusula para livre utilização do imóvel pelo beneficiário (ou terceiros, caso o bem imóvel esteja locado ou cedido em comodato) enquanto estiver alienado, existência ou não de alvarás e habite-se, regularidade da propriedade e, consequentemente, alguma condição precedente à concessão do empréstimo, além de declarações e garantias que protejam tanto a instituição credora, quanto resguardem o devedor.

Além dos pontos acima descritos, entre outros que se demonstram relevantes conforme a especificidade do caso concreto, ainda, é imprescindível fazer constar o compromisso de registro da alienação na matrícula do imóvel, sendo essa uma condição essencial e, em alguns casos, inclusive precedente, para a disponibilização do recurso financeiro. Ocorre que, para a efetiva constituição da alienação fiduciária, é necessário o registro do contrato particular que o instituiu, o que deverá ser realizado na matrícula imobiliária junto ao Registro de Imóveis competente. Na prática, haverá uma observação na matrícula do bem dado em garantia, sinalizando que a casa, o apartamento ou o terreno é de propriedade do credor, até que as parcelas do empréstimo sejam quitadas. Após a quitação, é necessário dar a baixa no gravame, atualizando a informação junto ao Registro de Imóveis competente mediante a apresentação da documentação comprobatória da quitação da dívida.

Um ponto bastante relevante, mas que deve ser avaliado conforme o interesse da instituição credora, é a inclusão, nos documentos de fechamento da operação, de cláusulas que facilitem a aquisição do imóvel pela própria credora, evitando os trâmites do leilão. Uma alternativa a esta hipótese é o denominado pacto marciano que, diferentemente do pacto comissório que é vedado no direito brasileiro, poderá ser objeto de previsão contratual, desde que obedecidos os requisitos para sua regularidade. Outra opção, neste caso, é a previsão de uma futura dação em pagamento em caso de inadimplemento do devedor, hipótese na qual ocorreria o cancelamento da alienação fiduciária. Porém, cumpre ressaltar que, caso estas previsões não constem expressamente dos contratos, ainda que a instituição credora tenha o interesse de obter diretamente a propriedade plena do imóvel, haverá a necessidade de observar os trâmites do leilão, devendo participar em igualdade de condições com terceiros.

Nota-se, assim, que a alienação fiduciária, além de ser um facilitador na concessão do crédito, apresentando grande benefício se comparada a outras formas de garantia, permite, acima de tudo, a diminuição do custo de transação da operação de crédito. Entretanto, é importante que as partes contratantes se atentem as especificidades e estratégias que podem ser utilizadas nessas operações, de modo a extrair todas as vantagens oferecidas por este instituto.

alienação fiduciáriaFintechsGabriella MachadoHome equityLima ≡ Feigelson AdvogadosOperações FinanceirasSetor bancárioSetor Financeiro