Hidrogênio verde, ESG e Transição Energética | Análise
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Hidrogênio verde, ESG e Transição Energética

Juliana Pizzolato Furtado Senna e Luciana Stukart, sócia e advogada do Kincaid Mendes Vianna Advogados, respectivamente

30 de May de 2023 20h

Muito tem se falado sobre hidrogênio como combustível do futuro ou combustível da transição energética, mas na verdade o hidrogênio e até mesmo o seu uso como vetor energético não são uma novidade.

Desde sua descoberta como um elemento único por Cavendish em 1776, passando pela profecia de Jules Vernes do seu uso como combustível, em seu livro a Ilha Misteriosa de 1874,e o primeiro meio de transporte movido por hidrogênio em 1900, a humanidade conhece seupotencial há séculos. No entanto, na última década o hidrogênio alçou status de grande aposta para mitigar as mudanças climáticas. Existem diversos motivos para isso e o outro assunto do momento - ESG - tem tudo a ver com essa guinada.

O Brasil, em especial, tem estudado o hidrogênio e seus usos há muitos anos. O governo fornece apoio à pesquisa e desenvolvimento (P&D) de H2V há mais de 20 anos, o que criou um ambiente favorável à inovação com resultados efetivos em capacitação tecnológica, plantas-piloto, equipamentos/veículos, laboratórios e centros de pesquisa, cadeia de suprimentos doméstica e start-ups relacionados a hidrogênio. Contudo, o hidrogênio como vetor energético ou mesmo combustível, não se mostrava economicamente viável em comparação com alternativas disponíveis no País, mesmo as demais renováveis, por isso, o investimento na área de pesquisa e desenvolvimento não foi significativo.

No entanto, o uso do hidrogênio como uma alternativa para a transição energética ganhou força e sua atual popularidade se deve a diversos fatores, dentre as quais podemos citar: (i) ser um elemento abundante da natureza, (ii) não poluente, (iii) um excelente vetor de energia que é facilmente armazenado e transportada e (iv) pode ser utilizado em setores de difícil descarbonização, como o transporte terrestre de cargas por caminhões pesados, o aquaviário e aéreo, além da siderurgia.

A eleição do hidrogênio como molécula para a transição energética é feita em especial por países que precisam realizar a sua descarbonização na produção de energia. Desde 2017 mais de 20 países anunciaram suas estratégias para o hidrogênio, reconhecendo o uso do gás como forma de atingir a meta de zero emissões até 2050. Dentre essas estratégias, podemos citar oferecimento de financiamento e investimento em pesquisas, além de benefícios tributários. No Brasil, a Resolução CNPE nº 2/2021 estabeleceu o hidrogênio como área prioritária para P&DI, sendo anunciada a oferta de R$50mi em financiamento para P&D relacionado ao Hidrogênio somente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), além dos investimentos provenientes da ANEEL e ANP.

Assim, a experiência internacional aponta uma aceleração dos esforços para desenvolvimento do H2V e ganho de escala para a sua viabilidade econômica, com forte apoio de políticas públicas. Atualmente, existem diversos países, principalmente na União Europeia, com pelo menos um projeto na temática.

De fato, o mercado mundial de H2 existente é estimado em valores entre US$110 a US$136 bilhões em 2019, majoritariamente para uso não energético, em aplicações que incluem a produção de intermediários para fertilizantes, indústria alimentícia e derivados de petróleo em refinarias, entre outros. Mas a expectativa é que esse montante aumente exponencialmente. Um estudo publicado pela consultoria alemã Roland Berger projeta que o mercado mundial de H2V movimentará mais de US$1 trilhão em venda direta do combustível ou derivados.

Assim, as políticas públicas tem um papel fundamental na transição energética de forma segura e inclusiva, mas a percepção da sociedade e das empresas privadas nessa busca de um futuro sustentável é não apenas necessária, mas determinante no sucesso de qualquer solução. A associação atual da estratégia de governos, em especial na Europa, para cumprir com suas metas, mas também os princípios difundidos por investidores privados pautados nos princípios sociais, ambientais e de governança (ESG) tem criado um momento perfeito para o investimento em hidrogênio.

Os projetos de geração de hidrogênio têm um forte apelo ambiental e social, tornando-se um modelo ideal de investimento focado nos princípios de ESG, eis que possibilitam a descarbonização da economia na parte energética, industrial e de transportes, bem como, de forma geral, tem sua instalação implementada em regiões carentes, que geram uma quantidade significativa de empregos.

O Brasil dispõe de elementos essenciais para se tornar um dos principais atores nesse mercado, possuindo uma matriz energética limpa e recursos naturais que favorecem a produção de energiarenovável de forma abundante (solar, eólica, hidráulica, biomassas e até mesmo natural) e em escala, além de poder fornecer ainda hidrogênio oriundo de gás natural, também abundante, que aliado a tecnologias de captura de carbono podem ser uma solução limpa e mais competitiva.

A existência de uma potencial demanda doméstica, devido à dimensão continental do Brasil, de sua numerosa população, e dos compromissos nacionais, amplia a possibilidade do H2V ser explorado no mercado interno, em especial misturado ao gás natural pelos canais de distribuição atual e na descarbonização de transportes pesados.Para além disso, e proximidade das fontes de geração renovável e dos portos para exportação permite que o Brasil se torne um supridor estratégico de hidrogênio verde, por meio de exportações,especialmente à Europa, o que já está sendo estudado pelos principais complexos portuários brasileiros, como o Complexo de Pecém/CE, Porto de Suape/PE, e do Açu/RJ.

O mesmo estudo acima mencionado, deixa claro que o Brasil irá liderar essa corrida, transformando-se em um grande exportador global, e estima que o mercado brasileiro de H2V irá alcançar um valor anual de R$150 bilhões, dos quais R$100 bilhões serão provenientes das exportações. Conforme mencionado.

Portanto, parece bastante oportuno do ponto de vista de desenvolvimento econômico, tecnológico e social que o Brasil aproveite a conjunção desses fatores para benéficos internos, mas também assumindo liderança como fornecedor de soluções globais. Para isso, é o momento de promover com agilidade as políticas e estratégias de desenvolvimento da cadeia do hidrogênio e sua comercialização, com um arcabouço regulatório claro e seguro.

Juliana Pizzolato Furtado Senna é sócia do Kincaid Mendes Vianna Advogados, com prática e experiência na área de Energia e Infraestrutura.

Luciana Stukart é advogada do Kincaid Mendes Vianna Advogados, com prática em Direito Civil e Direito Administrativo.

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