Hidrogênio "tipo exportação": Como as regras internacionais impactam os projetos de hidrogênio no Brasil | Análise
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Hidrogênio "tipo exportação": Como as regras internacionais impactam os projetos de hidrogênio no Brasil

Por Karin Yamauti Hatanaka, Ana Carolina Calil e Vera Kanas, sócias do TozziniFreire Advogados

21 de September de 2023 16h27

O novo PAC, anunciado em 11 de agosto de 2023, foca em medidas para a transição energética, mencionando expressamente o incentivo à adaptação da infraestrutura portuária para o armazenamento e escoamento da produção do hidrogênio de baixo carbono, o que demonstra o grande potencial de exportação do hidrogênio. Um dos principais destinos do hidrogênio a ser produzido no Brasil a partir de energias renováveis será o continente europeu.

Nesse sentido, é importante conhecer as regras que estão sendo editadas na União Europeia que regulam a qualidade do hidrogênio a ser exportado pelo Brasil.

Em 20 de junho de 2023, a Comissão Europeia publicou a Commission Delegated Regulation EU 2023/1185 (editada em fevereiro de 2023), que suplementa a Diretiva (EU) 2018/2001, ao estabelecer as metodologias para apurar a economia nas emissões de gases de efeito estufa a partir do transporte de combustíveis renováveis líquidos ou gasosos de origem não biológica, o que inclui as regras para geração de energias renováveis utilizadas na produção de combustíveis.

As novas regras europeias são relevantes, pois definem critérios para que os combustíveis derivados de hidrogênio sejam classificados como gerados por fontes renováveis em um contexto em que várias iniciativas têm sido implementadas por países da Europa, com vistas à descarbonização de sua matriz energética e frota de veículos.

De fato, muito tem se falado a respeito do hidrogênio como o combustível renovável do futuro. Porém, esse hidrogênio precisa ser fabricado. De forma bastante simplificada, o hidrogênio é produzido por meio da eletrólise, processo que, a partir da água (H2O), separa o hidrogênio do oxigênio. O hidrogênio pode ser utilizado para produção de amônia, por exemplo, transportado para outra localidade e utilizado como combustível para geração de energia ou motores. A eletrólise, por sua vez, utiliza energia, a ser produzida de diversas fontes, renováveis ou não renováveis.

O hidrogênio é classificado em cores, dependendo da fonte de energia utilizada na operacionalização do eletrolisador. Na produção do hidrogênio denominado "verde", o eletrolisador utiliza fontes renováveis (como solar, hídrica ou eólica) para referida produção. A verificação da fonte pode ser simples em projetos dedicados (em que o projeto de energia não está conectado à rede, mas direta e exclusivamente ligado ao eletrolisador), mas se torna complexa em projetos em que a fonte renovável está conectada ao grid, e garantindo o suprimento de energia ao eletrolisador por meio de PPAs (Power Purchase Agreements). Nesse caso, os elétrons fungíveis misturam-se aos outros elétrons do grid (fontes renováveis, fósseis, nucleares), sendo impossível determinar a origem de cada elétron envolvido. Dessa forma, regras como as propostas pela Comissão Europeia vêm sendo discutidas para estabelecer metodologias de classificação.

A metodologia será aplicável não só ao hidrogênio gerado dentro da União Europeia, mas também a produtores de fora da comunidade que pretendam exportar hidrogênio ou subprodutos, como amônia.

Nesse sentido, a regra é importante para projetos brasileiros que pretendam produzir hidrogênio e subprodutos para exportação aos países da União Europeia, tal como sugerido no contexto do PAC, para que possam qualificar suas exportações dentro dos critérios da regulação para classificação como renováveis.

A Regulação define três critérios para classificar o combustível como renovável:

(i) Adicionalidade: o combustível deve prover de novas fontes renováveis, projetos novos, que tenham entrado em operação comercial, no máximo, 36 meses antes do início da produção do combustível;

(ii) Proximidade geográfica: o combustível deve ter sido produzido na mesma "bidding zone" do local da geração de energia. Bidding zone é definida como a maior área geográfica em que os participantes são capazes de vender energia sem alocação de capacidade; e

(iii) Correlação temporal: haverá critérios de simultaneidade de produção da energia renovável e do combustível.

O critério de adicionalidade visa evitar que a energia de projetos existentes de energias renováveis seja desviada para projetos de hidrogênio, fazendo com que o suprimento de energia do sistema passe a ser realizado por mais combustíveis fósseis. Em outras palavras, o critério de adicionalidade objetiva aumentar o volume total de energia renovável na matriz.

Os demais critérios, proximidade geográfica e correlação temporal, têm como racional evitar sobrecarga no sistema - caso as cargas sejam implementadas a grandes distâncias, haveria a necessidade de maior utilização de sistemas de transporte. Caso os projetos estejam gerando energia em horários diferentes dos horários em que o eletrolisador consome energia, a carga resultante dos projetos renováveis poderia sobrecarregar o sistema. Vale mencionar que uma das causas possíveis para o recente apagão no Brasil foi justamente a sobrecarga de fontes renováveis no sistema.

Existem regras de transição: para adicionalidade, a regra passa a valer a partir de janeiro de 2028. Para a regra de correlação temporal, a correlação será computada mensalmente até janeiro de 2032 e, após esse prazo, passará a ser realizada de forma horária.

Se o sistema como um todo apresenta 90% de energias renováveis, é isento de todos os critérios. É o caso, por exemplo, do Uruguai e da Costa Rica. O Brasil, apesar de ter a maior parte da sua matriz renovável, não alcança de forma consistente esse percentual. Ademais, quando da entrada em operação das usinas a gás natural previstas para os próximos anos, é provável que o percentual seja reduzido.

As regras da Diretiva, tal como alterada, podem ser complementadas por normas mais estritas dos países membros.

Trazendo a discussão de critérios para classificação de energias renováveis para o Brasil, diga-se que nesse momento não há no país iniciativas legislativas objetivando referida classificação.

Sobre o hidrogênio verde, em particular, há dois Projetos de Lei em discussão no Congresso Nacional que buscam regulamentar o conceito do hidrogênio verde, assim como as características da sua produção (por exemplo, qual agência reguladora será responsável pela regulamentação e fiscalização da produção). Sob a perspectiva estadual, destaca-se também iniciativas legislativas, especialmente nos estados localizados no nordeste do Brasil, voltadas ao fomento da cadeia produtiva de hidrogênio no âmbito local.

De todo modo, fato é que o Brasil conta com regiões privilegiadas para geração solar e eólica, e tem potencial para se tornar um grande exportador de hidrogênio e de subprodutos para o mercado europeu. Por isso, é de grande importância acompanhar de perto as regras sobre classificação do hidrogênio (essa e as próximas que serão editadas em sua esteira), para que os projetos possam usufruir do tratamento específico atribuído a energias renováveis.

Karin Yamauti Hatanaka tem ampla experiência na assessoria a empresas, bancos e agentes multilaterais em diversos segmentos da infraestrutura. Esteve envolvida em algumas das operações de maior relevância na área de financiamento de projetos, em setores como energia, recursos naturais, logística e saneamento. Sua atuação em Project Finance abrange contratos de infraestrutura (EPC, contratos de compra e venda de energia, fornecimento), mercado de capitais, análise de editais, contratos de concessão, entre outros. Trabalhou como associada internacional no escritório Shearman & Sterling, de Nova York, entre 2003 e 2004.

Ana Carolina Calil é especializada em energia elétrica e assessora clientes dos diversos segmentos da indústria (geração, distribuição, transmissão e comercialização) em questões tanto regulatórias como transacionais. Sua atuação inclui assessoria jurídica em operações societárias envolvendo empresas atuantes no setor de energia elétrica, assim como no desenvolvimento de projetos. Possui ampla experiência na elaboração, revisão e negociação de contratos relacionados ao setor de energia, bem como na representação de clientes em processos judiciais e administrativos e em consultas regulatórias.

Vera Kanas é responsável pela área de Comércio Internacional em TozziniFreire Advogados, Vera tem mais de 15 anos de experiência em comércio internacional, auxiliando empresas brasileiras e estrangeiras em questões relacionadas a defesa comercial, acordos internacionais (OMC, regionais e bilaterais), direito aduaneiro e trade compliance. Vera representa exportadores, importadores e produtores nacionais em investigações antidumping e em procedimentos de avaliação de interesse público, e também assiste empresas brasileiras em procedimentos de defesa comercial no exterior. Ela auxilia clientes na estruturação de suas atividades de importação e exportação no país, bem como em questões atinentes a normas e procedimentos da OMC (Organização Mundial do Comércio), do Mercosul e outros acordos.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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