Gerir, negociar e planejar: caminhos para evitar (ou preparar) um pedido recuperação judicial | Análise
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Gerir, negociar e planejar: caminhos para evitar (ou preparar) um pedido recuperação judicial

Tiago Cisneiros, advogado e coordenador da área de Direito Estratégico Cível no Serur Advogados

9 de May de 2023 18h

Pedidos de recuperação judicial de grandes grupos têm se tornado uma constante nos noticiários. Se as causas das crises são múltiplas e difíceis de precisar, existem, por outro lado, medidas que podem ser adotadas pela maioria das empresas para evitar o processo judicial - ou, ao menos, minimizar seus impactos. Parte dessas providências está na própria Lei n. 11.101/2005, que regula os processos de reestruturação e falência no país.

O melhor jeito para prevenir um processo de recuperação, claro, é a manutenção de uma gestão adequada, com estratégias bem definidas, riscos calculados, aproveitamento de oportunidades e cumprimento das obrigações. Mesmo os esforços nesse sentido, contudo, podem não ser suficientes.

Por isso, é importante o acompanhamento próximo dos resultados das empresas. A constatação rápida de sinais econômico-financeiros negativos contribui para a identificação das causas e para a resolução mais célere do problema.

Embora o processo de recuperação seja marcado por um caráter negocial, essa negociação é feita de forma coletiva. Em regra, o plano prevê, por exemplo, a alteração de prazos e encargos para pagamento de dívidas, além da aplicação de deságios(art. 50, da Lei n. 11.101/2005). Mas, para que essas novas condições passem a valer, é preciso que sejam aprovadas pela maioria dos credores e/ou pelos titulares da maior parte dos créditos (arts. 55 e 58 ).

Essa característica impõe dificuldades. É preciso atender a muitas expectativas em um prazo curto. Basta lembrar que o plano deve ser apresentado em até 60 dias, contados da data da publicação da decisão em que o juiz defere o processamento da demanda, logo após o ajuizamento(art. 53, da Lei n. 11.101/2005).

Por isso, quando uma crise se avizinha, é valioso buscar renegociação com os credores que detêm os maiores créditos e/ou são essenciais ao próprio funcionamento da empresa. O objetivo é simples: elastecer prazos e obter descontos, de modo a permitir uma reorganização sem que a questão seja levada ao Judiciário.

Essa renegociação nem sempre é tarefa fácil. Os credores podem ter perfil pouco flexível e a ciência sobre a situação desfavorável da empresa pode despertar desconfiança. Neste cenário, são relevantes ferramentas e estratégias jurídicas, como confissão de dívidas, cláusulas penais e acréscimo ou substituição de garantias. Além disso, vale lembrar que os processos de recuperação também podem gerar restrições aos direitos dos credores e a sujeição a condições que não atendam a seus interesses específicos.

Também há mecanismos propícios de negociação intermediada. Profissionais e câmaras de mediação e conciliação têm conquistado espaço, inclusive com atuação especializada em questões empresariais.

A própria Lei n. 11.101/2005 passou a conter, em 2020, um estímulo à mediação e à conciliação como meios de prevenção à recuperação. Os arts. 20-A até 20-D regulam o procedimento, até mesmo conferindo a possibilidade de decisão para suspender execuções contra a empresa em crise, durante 60 dias dedicados às tratativas com credores.

Mas é preciso deixar claro: esforços de (re)negociação não têm garantia de sucesso. Por essa razão, todo o processo deve ser conduzido sem que se ignore a possibilidade de ser necessário o pedido de recuperação.

Isso pressupõe a adoção de medidas práticas, em especial de planejamento contábil e patrimonial, para assegurar o levantamento de ativos e passivos, sobretudo quanto aos débitos sujeitos à recuperação, à luz do art. 49, da Lei n. 11.101/2005, mas também das exceções legais e jurisprudenciais. Além disso, há providências importantes para afastar riscos a sócios, administradores ou outras empresas do grupo.

Um pedido de recuperação não é feito do dia para a noite. Ou, pelo menos, não deve ser. A empresa que aposta suas fichas nesse caminho tem grandes chances de sofrer surpresas, que podem resultar na inviabilidade do processo, com a decretação de falência e o agravamento dos prejuízos individuais e coletivos.

Tiago Cisneiros é formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), possui especialização em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Damas. Tiago também possui um Mestrado em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), além de estar finalizando seu Doutorado em Direito, com foco em Teorias da Decisão Jurídica, pela UFPE. É advogado e coordenador da área de Direito Estratégico Cível no Serur Advogados.

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