O capitalismo está em constante transformação e a tendência que vem sendo percebida neste momento é a de que não interessa mais somente o resultado financeiro para o acionista ou o investidor. É muito nítido o movimento dos agentes de mercado no sentido de ser mais transparentes em relação aos seus valores. A boa-fé nos negócios tem que ser efetivamente demonstrada, de modo objetivo e mensurável. É o chamado capitalismo de stakeholders, em que as empresas devem ser capazes de mostrar o atendimento aos padrões ESG (Environmental, Social and Governance).
É neste contexto, portanto, que a governança adquire uma importância cada vez maior. Isto é, a capacidade de controlar, monitorar e mensurar, com transparência, segundo um conjunto de indicadores claros, a forma como se faz negócios é cada vez mais importante não só para se manter em operação, livre de sanções que põem em risco a própria existência e a continuidade dos negócios, mas também para atrair mais investimentos. Em outras palavras, a segurança jurídica dos empreendimentos depende diretamente de uma política de governança que atenda a padrões cada vez mais exigentes.
Entre as ferramentas disponíveis à política de governança das corporações e à sua segurança jurídica estão os sistemas de prevenção, investigação e repressão à fraude corporativa. A propósito, a fraude corporativa é algo muito mais comum do que se imagina, ocorre em empresas de todos os tamanhos e setores da economia e pode assumir as mais variadas formas, pois a criatividade e a sofisticação dos fraudadores são crescentes e sempre encontram novas maneiras de operar. Independentemente de qualquer juízo de valor que se possa emitir sobre a fraude corporativa, é preciso constatar desde logo que ela é uma realidade, é um fenômeno onipresente em algum nível de profundidade e de extensão e, definitivamente, não existe risco zero de fraude.
Entretanto, na experiência pessoal dos profissionais que lidam com o tema, as mais comuns ocorrem durante os processos de reembolsos de despesas de colaboradores e na contratação de produtos e serviços, em que pode não ter ocorrido efetivamente a compra ou o desembolso de valores, ou isso ocorreu de forma superfaturada, mediante a devolução de uma parte na forma de vantagens indevidas para os colaboradores da empresa.
Essas são, de longe, as formas mais comuns de fraude corporativa e a sua neutralização depende, basicamente, da educação contínua das equipes, mediante treinamentos, reciclagens e monitoramento periódico. Outra ferramenta muito importante é a adoção de processos internos claros, com um design inteligente e com a possibilidade de checagens e auditoria adequadas. Não raro, esse binômio de educação e processos internos claros de reembolso e contratação de fornecedores previne as formas mais comuns de fraude e permite uma identificação clara, fácil e rápida de eventuais desvios.
Evidentemente a tecnologia facilita isso tudo, e o uso de softwares de controle e gestão, além do registro de informações em bancos de dados cuja preservação e rastreabilidade sejam garantidos tornam possível o trabalho de prevenir e reprimir fraudes em grande escala, a custos mais acessíveis. Contudo, por melhores que sejam as ferramentas disponíveis, se for necessário investigar uma fraude corporativa, com vistas a obter os indícios de prova suficientes e necessários para a responsabilização de seus autores, e justificar a adoção dos ajustes necessários na operação ou nos processos internos de gestão, é necessário seguir alguns parâmetros, de modo que o resultado da investigação proporcione a segurança jurídica para a tomada de decisão da empresa.
A primeira grande recomendação que se pode fazer às corporações que necessitam realizar investigações privadas é a clareza, em seus documentos internos, sobre quem a conduz e a quem esse investigador se reporta. A falta de clareza sobre esses itens não raro prejudica severamente a investigação, em especial o sigilo das informações obtidas. E esta é uma definição que cabe exclusivamente à corporação.
No Brasil, o ideal é que a investigação seja conduzida por um advogado, seja do jurídico interno da corporação, seja terceirizado, mas com mandato específico, na medida em que o Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB estabelece um parâmetro normativo claro e útil para essas investigações, conduzidas em defesa dos interesses da corporação, o que garante maior segurança jurídica à colheita e ao uso posterior dos indícios de prova obtidos durante o procedimento. Outra vantagem é que os relatórios e pareceres produzidos pelo investigador advogado estão cobertos pelo sigilo profissional (cf. art. 7º do Estatuto da Advocacia), independentemente de qualquer estipulação contratual ou norma interna.
Do ponto de vista metodológico, o ideal é que, de início, o investigador tenha uma definição da corporação delimitando o tema a ser investigado e o objetivo a ser alcançado. De posse disso, é preciso então definir as atividades de investigação que serão desenvolvidas e um cronograma.
Uma observação que parece ser oportuna aqui é que, num contexto democrático como o que há no Brasil, os acusados em geral (independentemente de o serem no âmbito corporativo) fazem jus à garantia fundamental da ampla defesa, o que inclui a oportunidade de saber o que está sendo investigado, de se manifestar no procedimento e de ser acompanhado de advogado, se desejar, nos atos da investigação de que participar.
Encerradas as atividades de investigação propriamente ditas, que podem incluir além da oitiva de pessoas, a obtenção de laudos técnicos periciais e cópias de documentos, é preciso que o investigador elabore um relatório circunstanciado que apresente todas as informações coletadas com a devida análise de inteligência, isto é, com a interpretação dos dados brutos, que identifique autoria, materialidade, nexo de causalidade, dolo, culpa, partícipes, atenuantes, agravantes, entre outros aspectos.
O procedimento pode ser encerrado neste momento, se for conclusivo, ou ainda indicar outras linhas de investigação e fatos que mereçam ser aprofundados, se necessário. No entanto, o ideal é que ainda haja um parecer jurídico (de preferência multidisciplinar, isto é, trabalhista, cível, criminal e com tantas expertises quantas forem necessárias) de modo que sejam identificadas claramente as responsabilidades e os riscos aos quais a corporação esteja eventualmente exposta.
Com este nível de completude, a investigação da fraude corporativa trará, sem sombra de dúvida, mais segurança jurídica para a corporação. E as vantagens disso são bastante evidentes, seja para os acionistas, que sabem que o seu patrimônio está sendo bem guardado, seja para novos investidores, que serão atraídos pela perspectiva de não serem prejudicados por futuras fraudes e, por que não, também para a própria sociedade. Afinal, a transparência com que as corporações lidam com as fraudes privadas mostra objetivamente a governança com que os seus negócios são conduzidos.