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De head jurídico à conselheiro de administração: o que faz a diferença

Por Marcos Gabrijelcic Fraga, membro do conselho de administração e consultor em gestão jurídica da Thyssenkrupp Elevadores

10 de June de 2020 8h

Conforme números de pesquisas realizadas pela Análise Editorial em 2008, mais de 50% dos executivos jurídicos se reportavam diretamente à presidência, percentual que cresceu para 67%, em 2019, cabendo destacar ainda que 33% ocupavam cargo de diretoria. Em outras palavras, um expressivo número de líderes de departamentos jurídicos vem desenvolvendo hoje, independente do cargo, um papel relevante na estratégia da empresa e na entrega de resultados.

Essas posições proporcionam contato com grandes parte das áreas da empresa e conhecimento amplo sobre o negócio, o que contribui para a construção de um perfil generalista, agregando para uma posição de liderança.

A evolução e aproximação começa, via de regra, com o aprimoramento das habilidades de quem está na gestão jurídica ao longo de sua trajetória na empresa ou no mercado. E entre as competências essenciais para o advogado corporativo trilhar este caminho cabe citar:

  • capacidade de analisar os cenários econômicos e de mercado e prover uma visão estratégica de médio e longo prazos;
  • conhecimento para compor uma equipe e trabalhar com ela, ouvindo o time com a mesma atenção que você ouve seus pares e a alta administração;
  • plena ciência de que preparar o seu sucessor é uma missão sua, indelegável;
  • entendimento sobre os ambientes político, legislativo e judiciário do momento; 
  • curiosidade em aprender sobre as atribuições e competências de outras áreas, mantendo uma forte integração com demais setores corporativos e unidades de negócio (seus mais importantes clientes internos);
  • foco nos assuntos críticos, tanto naqueles do seu cliente interno como, e principalmente, nos da empresa;
  • atender bem quando solicitado (ser reativo), mas identificar oportunidades (ser proativo);
  • identificar e apontar os riscos e em conjunto com a alta administração saber quais os riscos a empresa está disposta a correr;

Conhecer o negócio e os objetivos da empresa, aprimorando a sua capacidade de alinhar a estratégia do departamento jurídico com os objetivos estabelecidos pela diretoria, conselho de administração e acionistas;

  • entender e defender os princípios éticos de governança no contexto operacional interno e externo da companhia (stakeholders, comunidade, fornecedores e entidades públicas).

Consolidada a contribuição de um jurídico agregador de valor, que domina o consultivo e contencioso, os gestores jurídicos podem e devem assumir projetos e responsabilidades que extrapolem o ambiente das atribuições meramente jurídicas. Isto permitirá que o advogado corporativo evolua em sua visão macro do negócio, aprimorando a sua capacidade de contribuir para a busca dos resultados estabelecidos pela alta administração.

Apetite de risco e segurança jurídica: uma combinação que abre caminhos

Nesse sentido e no caso específico da minha trajetória na Thyssenkrupp Elevadores, posso citar desafios assumidos cujos resultados positivos para a empresa foram consolidados pelo departamento jurídico, em conjunto com outras áreas e que aproximou ainda mais a advocacia corporativa da alta administração. Cito alguns exemplos:

Acompanhamento legislativo do setor econômico: pode um executivo jurídico ser agente de transformações legislativas? Buscar a padronização de normas, especialmente as que signifiquem menor risco de segurança de colaboradores e de usuários de equipamentos? Sim, é possível. Antecipar-se aos projetos de leis que vinham a incidir sobre a atividade econômica da empresa, com reflexo direto na sua produção de bens e/ou prestação de serviços foi fundamental. Ainda mais em um país cuja legislação, nas três esferas da federação, excede a dinâmica recomendável. Assim, a proposição de um grupo de trabalho para o monitoramento dos projetos de lei, em conjunto com entidades representativas do setor e instituições públicas, trouxe benefícios na padronização de produtos, técnicas de manutenção preventiva e corretiva de equipamentos.

Implementação de um programa de compliance: adaptação e complementação, em 2009, de políticas globais do Grupo Thyssenkrupp referentes à prevenção de corrupção e de condutas anticoncorrenciais. Tratava-se e algo completamente fora da nossa realidade de então, demandando todo um trabalho inicial de conscientização sobre a importância da governança corporativa. O jurídico passou a atuar em um trabalho multidisciplinar que resultou em diversos impactos positivos para a organização, desde o fortalecimento de sua imagem perante colaboradores e mercado, até uma maior transparência e mais segurança na gestão e no ambiente de trabalho.

Pouca efetividade na participação da empresa em licitações públicas para o fornecimento de equipamentos e serviços de manutenção e falhas na condução de contratos administrativos: a inexistência de um procedimento completo para a participação em certames públicos, com a prévia análise dos editais e requisitos legais, implicava baixa efetividade nos concursos. Havia ainda um grande número de inabilitações nos processos licitatórios, assim como a eventual aplicação de penalidades administrativas, fomentando uma alta inadimplência financeira nos contratos firmados com órgãos públicos federais, estaduais e municipais. A criação de uma célula jurídica/administrativa especializada, com a centralização da análise prévia e técnica dos Editas, visando o suporte para a área comercial das unidades de negócio no Brasil e América Latina se mostrou acertada. Com um unificado e qualificado acompanhamento comercial, administrativo, financeiro e jurídico houve um maior número de vitórias em certames públicos, com impacto direto no crescimento de receitas na venda de equipamentos e serviços de manutenção, especialmente em obras de infraestrutura. Houve ainda um impacto na adimplência financeira de órgãos públicos, assim como a redução da aplicação de penalidades administrativas por falhas na condução do contrato administrativo.

Ausência de uma gestão de empresas terceiras: após a seleção da empresa pela área demandante, não havia um controle sistemático e efetivo do cumprimento pela contratada de suas obrigações de segurança do trabalho (NRs), de adesão ao código de conduta da empresa tomadora, de satisfação dos encargos trabalhistas e previdenciários etc. A ausência gerava um grande passivo já durante a relação contratual e, especialmente, após o seu eventual encerramento, pois cabia a empresa tomadora a responsabilidade pelo cumprimento de normas e direitos trabalhistas dos colaboradores da terceira.

Com o apoio de toda a administração foi criado um procedimento impondo a análise sistemática e apuração da regularidade das empresas terceiras (e seus colaboradores) desde a contratação até o término da relação contratual. Para tanto desenvolvido um software específico de controle, alimentado pela própria empresa terceira, com o apontamento prévio da regularidade para fins de pagamento dos serviços. Como medida complementar, foi criado um manual de relacionamento entre as empresas tomadora e terceira prestadora dos serviços, no qual foi inserido um de código de conduta específico para os empregados da terceirizada.

Como impacto gerado, podemos citar a significativa redução do passivo trabalhista relacionado aos empregados das empresas terceiras. Deve se ter presente, que dependendo do setor e da atividade econômica, as condenações judiciais podem representar até 50% do passivo total trabalhista, composto pela soma das condenações dos empregados da empresa tomadora e a dos empregados das empresas terceiras contratadas. Houve ainda uma maior garantia de adesão às normas de segurança da empresa, menor ocorrência de acidentes do trabalho com os colaboradores terceirizados e menor incidência de autuações pelas autoridades fiscalizadoras.

A necessidade da constante aplicação de tecnologia aos processos: tem-se aqui a defesa incondicional da inteligência artificial, do desenvolvimento e aplicação dos conhecimentos de gestão digital ao cotidiano das atividades da empresa "robotização". Foi o que iniciamos em 2005 no departamento jurídico, com parceiros inovadores de TI e apoio da alta administração, ao desenvolver um software de controle do contencioso e uma ferramenta de centralização do consultivo, abandono total de e-mails. Esta iniciativa, aliás, nos levou a um reconhecimento internacional, ao apresentar o seu resultado durante Corporate Attorneys’ Conference 2007 do Grupo TK, em Dusseldorf, Alemanha, com o tema "E-Management in the Legal Department - Tracking Law Proceedings in Brazil."

A entrega de resultados concretos e mais abrangentes que os eminentemente jurídicos e, via de consequência, a proximidade crescente com a alta administração consolida a advocacia corporativa, elevando-a à uma posição mais estratégica e inserida na tomada de decisões de gestão. Em decorrência, tem sido cada vez maior a ascensão de heads jurídicos ao cargo de CEO ou de membro do conselho de administração da empresa.

É o que nos demonstram mais uma vez as pesquisas. Dados coletados na edição de 2019 da publicação Análise Executivos Jurídicos e Financeiros, apontam que 12% dos heads jurídicos fazem parte do conselho de administração de sua própria companhia. A quantidade de gestores jurídicos nessa função cresceu nos últimos sete anos, aumentando de 9%, para 12%, entre 2014 e 2019.

E se antes os quadros de conselho eram integrados predominantemente por profissionais de finanças e administração, agora já não é mais assim. Profissionais que lideram departamentos jurídicos podem e devem contribuir não somente para mitigar os riscos das companhias. Ao gerenciar o contencioso judicial e o consultivo jurídico, estão aptos a colaborar no direcionamento da estratégia dos negócios, garantindo um alinhamento com as melhores práticas de gestão e entrega de resultados.

Nesta esteira, a participação direta e efetiva nos grupos de trabalho, comissões de entidades de classe e associações que representem o setor econômico em que atua, se mostra como uma excelente oportunidade de troca de experiências e aprendizado.

Até mesmo porque mais do que a origem de formação do profissional (operacional, financeira, jurídica), o que importará para a ascensão será a sua efetiva preparação e habilidade de entender as efetivas questões de governança, em um contexto operacional interno e externo da companhia. Importará saber analisar os cenários econômicos e de mercado, mitigar riscos e prover uma visão estratégica de médio e longo prazos.

Esse contexto tem se mostrado extremamente favorável aos executivos(a) jurídicos com perfil efetivamente empresarial, pois quando bem preparados e alinhados aos objetivos do negócio, não raro costumam ser um dos que melhor conhecem a empresa. E isso vem sendo percebido por presidentes de conselhos de administração e acionistas. Em outras palavras, saber equilibrar o apetite de risco, inerente à atividade econômica, com a necessária segurança jurídica passa a ser cada vez mais reconhecido como uma habilidade essencial para a alta administração.

Análise de cenários, desafios identificados e entregas, como as acima exemplificadas na Thyssenkrupp Elevadores, foram fundamentais para que, no meu caso e ao longo de 22 anos, pudesse trilhar o caminho iniciado como advogado interno até a vice-presidência jurídica para a América Latina e compliance manager para o Brasil. Possibilitou que hoje, deixando a vice-presidência jurídica, tenha assumido o novo desafio como membro do Conselho de Administração da Thyssenkrupp Elevadores, além de uma consultoria de gestão jurídica para o mercado e para esta empresa que me deu tantas oportunidades.

Advogado CorporativoExecutivos Jurídicos e FinanceirosMarcos Gabrijelcic FragaMultidisciplinarThyssenkrupp Elevadores