Recentemente fui convidado a ser um dos painelistas em um dos maiores congressos tributários do Brasil realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP). Um feito histórico poder dividir a bancada com nomes renomados do Direito Tributário Brasileiro.
Foi nesse momento que comecei a refletir sobre a atuação e oportunidades disponibilizadas aos profissionais com deficiência (chamados comumente de PCDs), ao qual, convenhamos, são poucas ou quase nenhuma. Isso impõe uma grande barreira para que esses profissionais se desenvolvam e consigam assumir o protagonismo na carreira, impedidos de obter reconhecimento na advocacia ou no meio jurídico.
Por isso, inicio esse artigo com uma provocação: quantos profissionais com deficiência você conhece em posição sênior ou de destaque no escritório de advocacia em que trabalha? Será que não temos no mercado profissionais com deficiência com habilidades e competências para assumir tais posições?
Antes de entrar nos detalhes e continuar no tema de diversidade e inclusão dos PCDs, faço uma breve apresentação sobre minha trajetória e o porquê desse tema ter sido um dos meus preferidos nos últimos anos. Sou deficiente visual (visão monocular) com a perda de 100% da visão esquerda e 50% da visão direita. Advogo como especialista em Direito Tributário e Digital, sou consultor e gestor de projetos de diversidade e inclusão.
Também sou pós-graduado em Direito Econômico e Direito Tributário, com MBA em gestão de projetos pela Universidade de São Paulo (USP). Nos últimos dez anos venho ajudando empresas e escritórios de advocacia a levarem o debate sobre a importância do tema e como implementá-lo em seu dia a dia.
A inserção de PCDs no mercado de trabalho
No Brasil, temos cerca de 45 milhões de pessoas com alguma deficiência seja ela leve, moderada, grave, adquirida ou congênita, segundo o último censo do IBGE de 2010. De acordo com o Ministério da Saúde, todos os anos pelo menos 200 mil pessoas nascem ou passam a ter uma deficiência. Apenas 1% desses milhões de PCDs estão inseridos no mercado de trabalho.
Nesse momento surge uma pergunta: por que esse número é tão baixo? Sabe-se por meio de estudos do Ministério Público Federal do Trabalho e INSS que esse percentual poderia aumentar para pelo menos 40%, ou seja, poderiam ser inseridas no mercado de trabalho algo próximo de 18 milhões de pessoas com deficiência. Atualmente uma das leis que tenta fazer com que as empresas contratem profissionais nessas condições é a lei de cotas para PCDs (Lei nº 8.213/91). Ela estabelece que empresas com 100 ou mais empregados preencham uma parcela de seus cargos com PCDs. A grande questão é que essa lei está em vigor há três décadas e ainda não conseguiu fazer cumprir o propósito da sua criação.
Entendo que o baixo número da contratação desses profissionais dá-se pelo fato de as empresas, em muitas vezes, optarem por pagar a multa pela não contratação, que tem um valor baixo, a ter que custear a acessibilidade de sua estrutura interna. Em outros casos, as vagas oferecidas normalmente são para cargos em níveis de entrada tais como auxiliar e assistente, com salários bem abaixo do mercado. Além disso, há empresas que simplesmente alegam não conseguir encontrar PCDs para preencher os postos disponíveis. É visível que muitas das vagas ofertadas a quem tem deficiência são meramente para o cumprimento normativo ou para passar uma mensagem positiva aos órgãos públicos.
Todas essas situações aliadas a falta de perspectiva de plano e desenvolvimento na carreira faz com que os PCDs desistam de se inserir no mercado de trabalho, optando por buscar o advento do benéfico social pago pelo governo (LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social) que lhes garante mensalmente um salário-mínimo.
Nessa minha jornada palestrando e auxiliando os escritórios com o tema, mostrando os ganhos de engajamento, valorização da marca e os demais benefícios com a implementação de um programa de diversidade e inclusão, tenho percebido que poucos (e quando digo poucos são poucos, mesmo!) levam a sério o tema a ponto de seguir com o projeto até sua conclusão. Esse esforço demanda, entre outras coisas, dedicação, empatia, conhecimento, recursos profissionais e financeiro.
No ano atípico que passamos em 2020, houve uma grande reviravolta na temática. Com o avanço da tecnologia, muitas manifestações e debates sobre a questão da diversidade tem tomado conta das redes sociais; o que, por sorte, acabou alcançando as empresas que, e em nome da reputação e com a finalidade de evitar perda de clientes, tem colocado essa temática como uma das prioridades para imprimir uma imagem mais diversa e inclusiva em suas marcas e imagem de seus escritórios.
Esse feito atingiu em cheio os escritórios advocacia e departamentos jurídicos, seja pela pressão dos seus colaboradores ou clientes, ainda que exista a necessidade de se manter a procura por soluções para atender ao tema. Prova disso foi o recente e histórico julgamento do colégio das seccionais da OAB Brasil, que aprovou no julgamento do dia 14 de dezembro de 2020, a questão de paridade de gênero e 30% de cota racial para todas as eleições internas, valendo já a partir de 2021. Um grande avanço.
Contudo, precisamos observar e deixar registrado duas considerações. Primeiro: o fato negativo de ter sido deixado de fora a extensão dessa oportunidade de reconhecimento aos profissionais com deficiência. Segundo: a decisão por si só não surtirá efeitos, a não ser que haja interatividades diárias com o tema, além do acompanhamento de treinamentos, pesquisas, debates e atividades concretas voltadas à criação da cultura de uma advocacia mais plural.
Aproveito para deixar um convite a todos, em especial aos gestores dos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, para que "estourarem a bolha" que subestima e afasta as pessoas com deficiência de atuarem em um maior número nos escritórios, de usufruírem dessa oportunidade de acordo com suas habilidades, conhecimentos e competências.
Reconhecer é preciso, agir é inevitável
Não se deve contratar PCDs apenas para cumprir cota ou para manter as aparências junto aos clientes. A contratação de advogados com deficiência deve ser feita com base na crença de que todos têm direito a dignidade e igualdade de oportunidades; por entender que um ecossistema profissional diverso e inclusivo poderá trazer maiores engajamentos, representatividades, ofertas e demandas, tudo aliado a ganhos financeiros expressivos.
E a você, profissional PCD, que trabalha no Direito assuma o protagonismo da sua carreira, você também precisa estourar a bolha que te impede de crescer, de aprender, de se desenvolver... é importante demonstrar o quanto todos podem ganhar com seu talento. Não aceite nada menos do que você merece. Diversidade e inclusão importam! Vamos todos estourar essa bolha que nos impede de tornar essa frase uma realidade dentro dos escritórios advocacia e departamento jurídicos.