Estamos prontos para a liberalização? Uma análise do PL 3985/23 | Análise
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Estamos prontos para a liberalização? Uma análise do PL 3985/23

Por Fernando Gomes Xavier, advogado e CEO da FGX Legal Management

12 de March de 2024 15h

O mercado jurídico brasileiro pode estar perto de uma transformação significativa com a apresentação do Projeto de Lei 3985/23. A proposta visa permitir a inclusão de bacharéis em Direito e profissionais graduados em outras áreas como sócios de escritórios de advocacia.

Esta é uma iniciativa que tenta alinhar o Brasil às práticas internacionais observadas em jurisdições como a Inglaterra, Austrália e alguns estados americanos, mas também sinaliza um movimento rumo à modernização e à interdisciplinaridade no setor jurídico.

A essência deste projeto reside na sua capacidade de abrir as portas para uma abordagem mais colaborativa e inovadora na prestação de serviços jurídicos.

Ao permitir que especialistas de diversas áreas contribuam com suas perspectivas únicas, espera-se que os escritórios de advocacia se tornem mais adaptáveis às necessidades complexas e multifacetadas dos clientes contemporâneos. Ao contemplar essa mudança, o PL 3985/23 propõe uma redefinição dos contornos da advocacia, desafiando a noção tradicional de que apenas os advogados possuem o conhecimento e as habilidades necessárias para gerir e contribuir significativamente para o sucesso de um escritório de advocacia.

Além de promover a diversidade de habilidades e conhecimentos dentro dos escritórios, o projeto também reflete uma compreensão mais ampla das tendências globais e da evolução dos serviços profissionais, algo que ocorreu na medicina, onde profissionais de outras áreas podem ser sócios de clínicas e hospitais.

Contudo, a implementação dessa proposta não está isenta de desafios e implica uma série de considerações éticas, regulatórias e profissionais.

A necessidade de preservar a integridade e a qualidade dos serviços jurídicos permanece primordial, levantando questões sobre como esses novos arranjos sociais poderão coexistir com os princípios fundamentais da advocacia.

A proposta do PL 3985/23 não é inédita no panorama global.

A inspiração vem de modelos já estabelecidos em países como a Inglaterra e alguns estados dos Estados Unidos, onde a legislação permite que não advogados sejam sócios de escritórios de advocacia, através das chamadas Alternative Business Structures (ABS).

Essa abordagem visa fomentar a inovação e a prestação de serviços jurídicos de forma mais integrada e eficiente, alavancando a diversidade de conhecimentos e experiências para melhor atender às demandas dos clientes.

Embora a ideia de sócios não advogados em escritórios de advocacia possa parecer revolucionária, na prática, as ABS demonstram que é possível equilibrar a integridade e a qualidade dos serviços jurídicos com a inclusão de profissionais de outras áreas.

Isso abre um leque de possibilidades para a advocacia, desde a incorporação de tecnologias avançadas até a gestão empresarial e o marketing, áreas essenciais para a expansão e o sucesso dos escritórios no mercado atual.

No entanto, é crucial observar que, apesar da flexibilidade permitida pelas ABS, existem rigorosos controles regulatórios para assegurar que os padrões éticos e profissionais sejam mantidos. Isso sugere um caminho viável para a implementação do PL 3985/23 no Brasil, desde que acompanhado de medidas de fiscalização e governança adequadas para preservar os valores fundamentais da advocacia.

A experiência internacional com as ABS oferece valiosas lições sobre como inovar na prestação de serviços jurídicos, mantendo ao mesmo tempo a confiança e a segurança que os clientes esperam de seus advogados.

A adoção de um modelo similar no Brasil poderia aumentar a competitividade dos escritórios brasileiros e promover uma maior inclusão de serviços e soluções inovadoras no direito.

Porém, a discussão sobre permitir que não advogados sejam sócios de escritórios de advocacia, conforme proposto pelo PL 3985/23, gera debates acalorados dentro da comunidade jurídica brasileira.

Alguns vêem essa mudança como uma ameaça à integridade e à ética da profissão, temendo que a inclusão de sócios sem formação jurídica possa diluir os valores fundamentais da advocacia e comprometer a qualidade do aconselhamento legal.

Por outro lado, há quem argumente que essa inovação abriria portas para uma maior interdisciplinaridade e diversificação de serviços jurídicos, alinhando-se às necessidades contemporâneas de clientes que demandam soluções mais completas e integradas.

A resistência à mudança é compreensível, dada a tradição da profissão jurídica em preservar seus princípios éticos e de autorregulação. No entanto, o sucesso das Alternative Business Structures em outros países demonstra que é possível incorporar profissionais de outras áreas sem sacrificar os padrões éticos e de qualidade.

O mestre Richard Susskind, em sua obra "Tomorrow's Lawyers", antecipa um cenário jurídico transformado pela tecnologia e pela inovação, onde a multidisciplinaridade e a colaboração entre diferentes áreas do conhecimento são fundamentais para responder às demandas emergentes.

Nesse contexto, a abertura dos escritórios de advocacia para sócios de outras áreas pode ser vista como um passo importante na direção dessa advocacia do futuro.

Mas é claro, essa transição não será sem desafios.

A integração de profissionais de diferentes áreas exigirá dos escritórios de advocacia uma reflexão profunda sobre seus valores, práticas e objetivos.

Além disso, será necessário desenvolver modelos de governança e de negócios que permitam a colaboração efetiva entre profissionais de disciplinas distintas, garantindo que a identidade jurídica do escritório permaneça intacta e forte.

De todo modo, ainda não temos uma resposta final.

O que podemos concluir é que essa realidade nos convida a refletir sobre o futuro da advocacia e sobre o papel dos advogados numa sociedade em constante transformação.

Ao considerarmos a possibilidade de abrir as portas dos escritórios de advocacia para profissionais de outras áreas, estamos também reafirmando o compromisso da profissão com a evolução e a adaptação às novas realidades do mundo jurídico e empresarial.

É um momento propício para reimaginar a prática da advocacia, não apenas para responder às mudanças do presente, mas para moldar proativamente o futuro da profissão.

Fernando Gomes Xavier é advogado e empreendedor. Especialista em Finanças pela COPPEAD-UFRJ e em Gestão de Escritórios pela Fordham University. Fundador e CEO da FGX Legal Management, empresa de consultoria em gestão especializada em escritórios de advocacia, com dezenas de clientes por todo o Brasil, com mais de 20MM de receita gerada e quase 500 horas de imersão presencial nos projetos. Foi fundador e CEO da BuscaJuris, plataforma de pesquisa jurídica com inteligência artificial, utilizada por mais de 100 mil advogados e escolhida pela OAB como ferramenta oficial da advocacia. Foi fundador do Lawtech Hub, primeiro hub de direito e inovação da América Latina. Foi sócio da Future Law, CEO do Future Law Studio, Consultor de Business Development e Head de inovação em escritórios. É investidor-anjo, membro do pool do Investidores.vc e Board Advisor certificado pelo Anjos do Brasil.

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