Encarar de frente e mudar genuinamente: como gerir uma crise em ESG | Análise
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Encarar de frente e mudar genuinamente: como gerir uma crise em ESG

Por Eloy Rizzo Neto e Heitor Araújo, sócio e advogado do Demarest Advogados, respectivamente

4 de April de 2023 16h45

Ter uma comunicação objetiva, conhecer a existência do problema, reparar danos  e mostrar um plano de ação concreto são medidas necessárias para as empresas evitarem cometer mesmos equívocos.

Apesar dos recentes e promissores avanços nos esforços das empresas para implementar a agenda ESG (em inglês, Environmental, Social and Corporate Governance) em seus modelos de negócio, é significativo o crescente número de crises relacionadas a falhas e desconformidades em aspectos considerados como parte do escopo ESG.

Em 2018, uma rede de supermercados foi atingida por uma crise ocasionada pela conduta de um segurança que covardemente agrediu e matou uma cadelinha nas dependências da empresa. Em 2019, uma barragem construída por uma mineradora se rompeu e causou a morte de cerca de 270 pessoas, além de causar graves danos à fauna e flora local - um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil.

Em 2020, na véspera do Dia da Consciência Negra, um homem negro foi espancado e morto por seguranças de uma unidade da mesma rede de supermercado que dois anos antes já tinha vivido a crise da morte da cadelinha.

Em 2022, um banco público teve sua imagem abalada em razão de diversas denúncias de assédio moral e sexual contra seu presidente.

Neste ano, grandes vinícolas brasileiras e outras empresas do agronegócio estão em crise  devido a denúncias de utilização de mão de obra análoga à escravidão. Esses são somente alguns exemplos das diversas crises reputacionais em que empresas de médio e grande porte se viram envolvidas nos últimos anos.

Você reparou que não há menção ao nome de nenhuma empresa e que ainda assim você consegue identificar de imediato a quais empresas nós nos referimos? Pois bem: Essa é a maior evidência de como os danos de imagem causados por esse tipo de crise são expressivos e duradouros. Como bem disse Warren Buffet: "São necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la".

Além dos danos reputacionais, crises relacionadas a ESG costumam também acarretar riscos jurídicos, regulatórios e financeiros às empresas que a elas se sujeitam.

Do ponto de vista jurídico e regulatório, há de se considerar que as autoridades competentes se empenharão para investigar e punir as empresas causadoras da crise, o que pode - em última instância - até mesmo inviabilizar a continuidade de determinado negócio.

Da perspectiva financeira, as empresas envolvidas em grandes escândalos costumam desembolsar quantias astronômicas para reparar eventuais prejuízos causados a terceiros e, também, com a implementação de diversas medidas para  recuperar a reputação da sua marca. Ainda sob a perspectiva financeira, crises de imagem têm ocasionado boicotes de consumidores, investidores e parceiros comerciais, como a que estamos vendo neste momento no caso das vinícolas, com redução de vendas e a proibição de participação em determinadas feiras de exportação.

Além disso, nas companhias abertas a dimensão dos danos pode ser ainda maior, pois a mera possibilidade de enfrentar tais riscos já provoca efeitos devastadores no valor das ações da empresa no mercado.

Crises normalmente surgem de forma brusca e repentina, mas isso não significa que  sejam necessariamente inesperadas. A realização de análises de riscos e a adoção de controles que contemplem não apenas os riscos inerentes do negócio, mas também a agenda ESG, geralmente são capazes de prevenir, ou ao menos mitigar, os riscos da ocorrência de crises. Assim, a não aplicação de medidas de melhoria e controles relacionadas ao tema ESG naturalmente aumenta a exposição de uma empresa aos riscos de enfrentar uma crise dessa natureza.

As crises surgem de diversas formas e possuem diferentes origens, portanto, as medidas de mitigação dos riscos vão depender de cada caso. Uma constante na gestão de crises, entretanto, é o foco na comunicação clara e transparente do plano de ação desenhado e das medidas concretas executadas para superar a crise, reparar os danos e garantir a continuidade do negócio.

Levando em consideração o crescimento dos fenômenos da "cultura do cancelamento" e do "tribunal da internet", é possível perceber que as redes sociais se tornaram propulsoras de crises. Crises que eram inicialmente locais podem se alastrar nacionalmente (quando não internacionalmente), assim como meras suspeitas ou investigações podem ser propagadas como se fossem verdades irrefutáveis. Assim, a comunicação é um fator chave para lidar com crises.

As notas de esclarecimento convencionais não são mais suficientes para atender os anseios dos stakeholders e da sociedade, especialmente em crises decorrentes de graves alegações, como crimes ambientais com perda de vidas, uso de mão de obra análoga à escravidão, assédio sexual ou outras formas de violência. Muitas dessas notas seguem o repetido padrão de mencionar que a empresa está cooperando com as investigações - o que é uma obrigação legal - e que se trata de uma organização sólida, íntegra e com muitos anos de história - o que, além de ser uma informação subjetiva, não aborda as questões centrais de uma crise.

As empresas precisam adotar uma estratégia de comunicação enérgica e enfática para reconhecer a existência do problema e externar um plano de ação que no mínimo inclua:

(i) Todas as medidas adotadas para identificar e punir os responsáveis (ex.: constituição de comitê independente, condução de investigação interna, demissão de funcionários, rescisão de contratos com terceiros);

  1. (ii) Os compromissos e as ações realizadas para reparação integral dos danos causados (ex.: indenização às pessoas afetadas, compensação ambiental, reporte voluntário para autoridades competentes); e
  2. (iii) As medidas concretas e efetivas implementadas para evitar que o problema ocorra novamente (ex.: implementação de due diligence da cadeia produtiva, contratação de consultorias para identificar falhas e implementar melhorias, condução de treinamentos específicos).

A comunicação deve ser, preferencialmente, personalizada em algum representante da empresa, interno ou externo. Dar um rosto ao discurso ajuda a aproximar o público da empresa, bem como humaniza a marca. E a comunicação não deve limitar-se aos veículos tradicionais, mas também levar em consideração o público-alvo da mensagem e considerar outros meios, como redes sociais e anúncios em plataformas de pesquisa.

Em relação aos investidores, parceiros e outros stakeholders relevantes, o cuidado na comunicação deve ser ainda mais significativo. É importante um contato mais pessoal para explicar como a crise pode afetar a continuidade do negócio e quais medidas estão sendo tomadas para superar o problema.

É claro que o ideal é a prevenção de crises, o que inclui a implementação prévia de políticas, procedimentos e controles para evitar, detectar e remediar os riscos que possam causar problemas sob o aspecto de ESG - tendência já observada no mercado. No mundo real é necessário sempre estar preparado para as imprevisibilidades e o imponderável. Nessas situações, estar (ou não) bem-preparado para agir de forma rápida e efetiva é o fator preponderante para a sobrevivência da empresa.

Eloy Rizzo Neto é sócio das áreas de Compliance e Investigações e ESG do Demarest Advogados. Possui mestrado (LLM) em Direito Concorrencial e Arbitragem Internacional da King’s College London (Inglaterra) e pós-graduação em Direito Civil Processual pela PUC-SP. Completou os programas globais de Certificação (ESG Certificate Program) e de Designação (ESG Designation - GBC.D) em ESG da Competent Boards e recebeu os respectivos certificados da instituição. Atua como professor na LEC (Legal, Ethics and Compliance) e em cursos de pós-graduação das escolas de Direito da PUC-SP e FGV/RJ. 

Heitor Araújo é advogado das área de Compliance e Investigações do Demarest. É bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, bem como pós-graduado em Compliance e pós-graduando em Direito e ESG, ambos pela Fundação Getulio Vargas (FGV). 

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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