Em 1968, o computador HAL 9000, no filme "2001: Uma Odisseia no Espaço" era a inteligência artificial da nave espacial Discovery viajando em direção a Júpiter. HAL tomou decisões equivocadas por conta própria ao duvidar dos motivos da missão espacial, culminando com a morte de alguns astronautas. Para que ninguém descobrisse seu erro, HAL tenta matar David, o último astronauta, que desconfiou das suas atitudes. David literalmente "puxa o fio da tomada" e HAL "morre". Isso era ficção científica.
Em 1997, a realidade aparece: a inteligência artificial do computador Deep Blue IBM, com 19 jogadas e pouco mais de uma hora, derrota o russo Garry Kasparov, o campeão mundial de xadrez. Desde então, muitos avanços ocorreram na inteligência artificial com o desenvolvimento de algoritmos que imitam habilidades cognitivas humanas, tornando famosos o computador Watson, da IBM, as assistentes Alexia, Siri e Bixby (da Samsung), o ChatGPT, carros autônomos como os da Tesla, reconhecimento facial e de voz etc.
A inteligência artificial (IA) desenvolve sistemas e programas capazes de simular a inteligência humana em atividades como análise de dados, reconhecimento de padrões, aprendizado e tomada de decisões. A IA não apenas imita o comportamento humano mas também realiza tarefas de forma mais eficiente, em muito menor tempo e em maior escala (Ana Melo Raiol, Inteligência Artificial para Elaboração de Decisões Judiciais. Edição do autor, 2024, pág.8).
A Inteligência Artificial Generativa (IAG) emprega modelos matemáticos e computacionais sofisticados para criar conteúdos inéditos e originais — como textos, imagens, vídeos, áudios, códigos e até dados sintéticos. Diferentemente das abordagens tradicionais de IA, que realizam tarefas como classificação, análise ou previsão com base em dados preexistentes, a IAG é voltada para a produção criativa automatizada e é treinada em vastos conjuntos de dados para capturar padrões complexos e gerar saídas inovadoras, mantendo coerência com os estilos, contextos e estruturas aprendidos durante o treinamento (Luís Manoel Borges do Vale e João Sergio dos Santos S. Pereira, Teoria Geral do Processo Tecnológico. Revista dos Tribunais, 2ª ed, 2025, pág. 41).
Mas a IAG com Deep Learning (redes neurais inspiradas no cérebro humano) e linguagem de grande porte (LLMs) pode produzir normas individuais e concretas, como as decisões administrativas ou judiciais, no lugar do ser humano?
No Direito, a IA está substituindo humanos em tarefas manuais como pesquisas doutrinárias e jurisprudencial, elaboração de peças, recursos e contratos, automação de processos, gestão de ações etc., e logo alcançará um nível de precisão capaz de substituir o ser humano em muitas outras atividades.
O magistrado ou julgador que analisa o processo desenvolve sua atividade jurisdicional que resulta na sentença, cujo texto revelará o local, data e o magistrado responsável, bem assim o conteúdo da norma por ela introduzida (enunciado-enunciado). O julgador deverá pautar-se pelo critério da persuasão racional, devendo ficar adstrito aos fatos alegados e provados, mas pode e deve sopesá-los com sua livre convicção para construir o fato jurídico estrito.
A enunciação do julgador é verdadeiro ato de consciência que leva em consideração valores inerentes ao ser humano, que integram a atividade interpretativa e de aplicação do direito concreto, valores estes empregados ao se interpretar as normas, os fatos alegados e provas.
Ainda que inconscientemente, o juiz humano utiliza suas vivências, valores pessoais, preferências, formação, experiências da vida familiar e profissional, construindo as decisões com base em sua combinação concreta.
Na própria apreciação das provas do processo e sua devida valoração, o julgador utiliza valores ou "máximas de experiência" — a sua experiência de vida.
Ou seja, a positivação do Direito, para obter maior aproximação dos fatos e ações reguladas, e expedição de uma norma individual e concreta (decisão judicial), exige um intérprete humano, e não um software e seus algoritmos com lógica matemática-dedutiva que emule a nossa consciência, pois interpretar é ato humano, ponderado (justo/injusto, certo/errado), e não binário (sim/não).
A IAG não tem um sistema de conhecimento decorrente de relações culturais e associativas, porque não há conhecimento sem sistema de referência. O ato de conhecer surge de relações associativas, condicionadas pela cultura do sujeito cognoscente e determinadas no tempo e espaço em que são processadas. Sistema de referência são as condições que informam o conhecimento sobre algo, tendo no referencial cultural as vivências experimentadas pela pessoa em particular (Aurora Tomazini Carvalho, "Realidade, conhecimento e método científico", in Paulo de Barros Carvalho, Constructivismo lógico-semântico, vol. II. Noeses, 2018, p. 40).
A IAG não substitui as capacidades cognitivas humanas, não possui bom senso, discernimento moral e ético, não é capaz de, como um intérprete humano, realizar atos de consciência e produzir uma decisão em sua plenitude.
Milton Fontes é sócio do Peixoto e Cury Advogados. É especializado em direito tributário focando sua atuação em auditoria e consultoria tributária, assessorando empresas de diversas indústrias do setor econômico, principalmente em questões relativas à consultoria tributária da área de impostos indiretos (VAT). Milton representa clientes no contencioso tributário nas esferas administrativa e judicial, incluindo o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), tribunais estaduais, federais e superiores.
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