Homens gays crescem sabendo que são diferentes e isso lhes causa sensação de culpa, carregada até a vida adulta, e muitas vezes jamais eliminada por completo. Essa afirmação do PhD. Alan Downs, psicólogo americano especializado em homossexualidade masculina, não guarda relação com a sexualidade em si, mas com o "ser diferente", em uma sociedade inegavelmente machista e homofóbica.
Essa sensação de culpa parece ainda maior quando esse homem gay decide integrar o mundo jurídico. Afinal, diferentemente do que se observa na arquitetura, na publicidade, no mundo das artes, etc., um homem gay assumido em posição de destaque na área jurídica é algo raro de se ver. Há até quem jamais tenha visto. Aliás, você, leitor, já viu algum?
Quando comecei minha vida no mundo jurídico, tanto na academia quanto na advocacia, não me apresentava como gay. Durante muito tempo, cheguei até a achar que a minha sexualidade seria fator de minha relegação ao fracasso. O curioso, no entanto, foi que os degraus mais altos que atingi só foram alcançados após o meu outing, isto é, depois de ter "saído do armário". Mas, claro, isso não seria possível se esse processo tivesse ocorrido em um ambiente de pessoas de mente tacanha. Integrar um escritório atento à questão da diversidade, do qual, hoje, sou sócio, que enxergou o meu lado profissional como algo mais importante do que o gênero das pessoas com quem me relaciono fez toda diferença na minha vida profissional.
Desenvolver potencialidades não é algo que combina com culpa, ou com vergonha. Seja em casa ou no trabalho. Sentir-se aceito e seguro é algo indispensável ao desenvolvimento pessoal - e, para fazer essa afirmação, estou certo de que não preciso me utilizar de argumento de autoridade de um acadêmico qualquer, apesar de haver vários referenciáveis aqui. Afinal, não há como pensar diferente, e você que me lê, há de convir que é por isso que minorias costumam escolher outras profissões, que não as do Direito, pois escritórios e tribunais não costumam ser ambientes acolhedores para aqueles que não se encaixam no chamado "padrão". Já passou da hora, porém, de isso mudar.
Diversidade é palavra de ordem, atualmente, e não somente porque a Constituição Federal e os mais diversos tratados internacionais garantem a dignidade de todos, vedando discriminação de qualquer natureza, mas porque a sociedade civil (pensante) parece ter percebido que semear a inclusão não determina valor a imagem, mas é algo lucrativo e absolutamente necessário, sob o ponto de vista ético. Argumentos empíricos poderiam ratificar essa afirmação, pois não são poucas as empresas e instituições que resolveram declarar-se abertas ao diferente, mas o fato é que não faltam estudos comprovando o quão valioso é o respeito à diversidade.
Um estudo de Harvard, por exemplo, aponta que nas empresas onde o ambiente de diversidade é reconhecido, os funcionários estão 17% mais engajados e dispostos a irem além de suas responsabilidades formais do que naquelas em que esse ambiente não é incentivado, e que companhias que têm funcionários mais motivados vêm sua receita líquida crescendo 4,5 vezes mais do que outras. Pesquisa da consultoria McKinsey & Company, por outro lado, mostra que as empresas com equipes executivas de maior diversidade étnica têm probabilidade 33% maior de superar outras empresas na lucratividade. Sondagem da Forbes, por sua vez, indicou que, entre empresas com mais de 10 bilhões de dólares em faturamento anual, 56% concordaram fortemente que a diversidade ajuda a impulsionar inovação. Além desses exemplos, poderia citar vários mais, mas penso que os três já citados comprovam o tema.
Ora, se o mundo está avançando e mostrando que a diferença não só deve deixar de ser rechaçada, mas incentivada, por que o mundo jurídico ainda é tão arcaico nessa questão? Talvez o problema esteja no próprio Direito e no seu mundo ritualístico, por vezes utilizando instrumentos de manutenção do status quo - no caso, do conservadorismo de uma sociedade retrógrada, machista, homofóbica, racista, etc. O Direito, porém, pode e deve ser instrumento de emancipação social, e os seus "operadores" não podem viver como se estivessem em uma redoma, encastelados em suas certezas e preconceitos.
Algumas iniciativas parecem mostrar que, logo mais, gays, lésbicas, negros, transexuais entre outros estarão mais presentes nos corredores dos fóruns, pois grandes escritórios e alguns tribunais brasileiros já deram alguns passos ao sinalizar que estão abertos à diversidade. Mas tudo isso ainda é pouco, apesar de muito simbólico diante da infertilidade do terreno. Bem, o mundo está mudando e que nossas togas, ternos e abotoaduras douradas não nos impeçam de acompanhá-lo.