De longo tempo nos deparamos muitas vezes com uma confusão que se faz entre o Direito do Mar e o Direito Marítimo. Estamos, porém, diante de dois ramos do Direito absolutamente distintos, mas que em dadas circunstâncias atuam de forma harmoniosa embora independente.
O Direito do Mar está abrigado no conjunto de regras do Direito Internacional Público, ocupando-se do estudo e regulação do mar enquanto um espaço territorial, buscando estabelecer regras que permitam a convivência pacífica entre os Estados soberanos costeiros, os Estados soberanos sem litoral ou geograficamente desfavorecidos, bem como as diversas organizações internacionais e blocos econômicos com personalidade jurídica.
É através das regras do Direito do Mar que se estabelecem os limites da extensão do domínio marítimo, bem como questões relacionadas com a exploração econômica dos leitos e fundos marinhos, áreas de pesquisa científica, regras de preservação ambiental, exercício da navegação, solução de controvérsias, entre outros temas correlatos.
Com o desenvolvimento das relações comerciais, com as grandes navegações em pleno exercício, se estabelece concretamente o Direito do Mar, tendo como um exemplo clássico o Tratado de Tordesilhas, no ano de 1494, dividindo o mundo em duas partes entre Portugal e Espanha. Esse documento também revelava a grande influência da religião no direito à época, tendo a legitimidade do tratado sido atribuída pelo Papa.
Na história contemporânea, o grande acontecimento se deu a partir de 1973 com a Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, cujas discussões perduraram por nove anos, culminando com a Convenção de MontegoBay de 1982. A Convenção sobre Direito do Mar entrou em vigor em 1994, um ano após ter atingido o quorum mínimo exigido de Estados Membros. Este é, sem dúvida, o momento histórico mais marcante do Direito do Mar, a sua consolidação.
A Convenção de MontegoBay trouxe consigo a sistematização normativa dos mais relevantes institutos de Direito do Mar, destacando-se as definições de mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e plataforma continental, além da liberdade de navegação, direito de passagem inocente e direitos dos Estados sem litoral ou geograficamente desfavorecidos.
O Direito Marítimo, por sua vez, ainda encontra muita dificuldade para o seu melhor entendimento e interpretação. Por vezes é equivocadamente definido como parte do Direito Comercial, numa visão que se limita à contemplação da sua faceta mercantilista pura e simples. Trata-se, na verdade, de um ramo de direito misto, posto que abriga normas tanto do direito público quanto do direito privado, caracterizando-o como multidisciplinar.
A origem do Direito Marítimo se confunde com a própria história da navegação, sendo difícil dissociá-las. As primeiras normas de Direito Marítimo que se tem notícia remontam ao Código de Hamurabi no Século XXIII a.C., tendo se evidenciado na Idade Média com o grande desenvolvimento da navegação.
No Brasil Império se aplicavam as mesmas regras vigentes em Portugal, sendo o primeiro diploma legal próprio a Lei 556 de 1850, o Código Comercial brasileiro ainda vigente, o qual dedicou um capítulo específico para as regras de Direito Marítimo, exatamente a parte não revogada pelo Código Civil de 2003.
A partir daquele momento o Brasil passou a ter regras próprias para navios, contratos de afretamento, conhecimento marítimo, seguros marítimos, naufrágio, arribadas, abalroamento, abandono e avarias.
Como mencionado acima, o Direito Marítimo se caracteriza como multidisciplinar e misto, residindo as suas regras em diversos ramos de Direito, como os de direito público, constitucional e portuário, bem como as de direito privado que regulamentam as relações jurídicas estabelecidas a partir da exploração comercial da navegação.
Analisando uma dada relação de jurídica de compra e venda de mercadoria em que haja o emprego do transporte desta por via marítima, observa-se com clareza a coexistência de diversas regras cuja natureza se conecta a ramos distintos do direito.
A compra e venda, per si, remonta ao Direito Comercial, assim como os contratos de seguro, tanto de navio quanto da carga, no âmbito do direito privado. Por outro lado, também incidem as regras de direito portuário onde ocorrerão as operações de carga e descarga, as regras de navegação ou tráfego marítimo, todas naturais do direito público.
Aos olhos daqueles que não compartilham do cotidiano deste ramo de direito, o Direito Marítimo sempre atraiu a curiosidade em face das suas regras relacionadas com o exercício da navegação, notadamente aquelas que tratam dos acidentes e fatos da navegação. Nesta seara vamos encontrar as regras que definem o naufrágio, a colisão, o abalroamento e outros menos conhecidos como a arribada e a borrasca.
No Brasil, atualmente, no âmbito do Direito Marítimo, vive-se grande expectativa pela possibilidade concreta de modernização das suas regras, especialmente em face dos Projetos de Lei em discussão no Congresso Nacional para a edição do Novo Código Comercial, com um capítulo específico de regras marítimas, como também em face da BR do Mar.
O atual cenário normativo brasileiro evidencia uma grande deficiência por uma ultrapassada regulamentação, sendo este um conjunto de regras incidentes num dos principais setores da economia brasileira, senão o principal. O Código Comercial Brasileiro em vigor ainda uma das principais fontes normativas de Direito Marítimo Privado, sendo que ele data de 1850, tendo sido inspirado no antigo Código Comercial Francês de 1807. Portanto, não está adequado à realidade das relações jurídicas dos tempos modernos.
Vale notar, apenas para ilustração, que no cenário internacional já estão em discussão regras para serem aplicadas aos navios não tripulados, enquanto o principal diploma legal brasileiro traz conceitos que remetem a um passado de mais de duzentos anos, época em que a navegação se desenvolvia através de caravelas, quando as primeiras embarcações a vapor ainda começavam a surgir. Nem se diga, pelo óbvio, em relação às operações portuárias de hoje e daquela época.
Com essas palavras, esperamos ter contribuído para o esclarecimento da distinção entre o Direito do Mar e o Direito Marítimo e suas respectivas importância e independência.