De olho na nova rodada de prorrogações das concessões de distribuição de energia elétrica | Análise
Análise

De olho na nova rodada de prorrogações das concessões de distribuição de energia elétrica

Por Ana Carolina Katlauskas Calil, sócia do TozziniFreire Advogados

27 de June de 2024 20h

Como acompanhado pelo mercado, cada vez mais cresce a expectativa com relação à definição de regras referentes à prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica. Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), estamos diante de 20 concessões de distribuição com vencimento esperado para os anos de 2025 a 2031 que poderão ser prorrogadas pelo prazo de 30 anos.

Há poucos dias, o Governo Federal publicou o Decreto n° 12.068/2024, finalmente indicando os critérios para renovação das concessões. Tal como ocorreu no passado, com a edição da inesquecível Medida Provisória n° 579/2012, depois convertida na Lei n° 12.783/2023, o Decreto n° 12.068/2024 condiciona a prorrogação da concessão ao cumprimento de determinadas obrigações. Caso, por outro lado, referidos critérios não sejam atendidos, a respectiva concessão não será renovada e deverá ser objeto de licitação, observado que a indenização por ativos ainda não amortizados ou depreciados a serem transferidos para a nova concessão deverá ser paga pelo vencedor da licitação à antiga concessionária, nos termos a serem ainda definidos pelo edital.

Especificamente com relação às diretrizes aplicáveis à renovação das concessões, ao Ministério de Minas e Energia já haviam sido apresentados 3 grandes desafios: o primeiro deles é como possibilitar a prorrogação das concessões observando que o mercado está passando, nesse momento, por uma reformulação conceitual, caracterizada pela abertura do mercado livre?

Em segundo lugar, não seria possível fugir do inevitável tema da transição energética. Hoje, vemos o mercado extremamente aquecido pensando em formas de promover a transição e descarbonização no país, o que inclui o papel da geração distribuída, já tão fortalecida, e de outras inovações como a implementação de sistemas de armazenamento e de outras fontes de energia. Por óbvio, esse cenário impacta diretamente as distribuidoras de energia, na qualidade de provedoras do serviço e, também, da capacidade de suas redes, mas não é só isso. Da forma como o setor de energia brasileiro está hoje estruturado, as distribuidoras apresentam papel central dentre os agentes setoriais, na medida em que canalizam receitas provenientes de seus clientes, os consumidores finais, para distribuição aos geradores de energia, em razão da aquisição do insumo, e às concessionárias de transmissão, diante do uso de redes em alta tensão.

Em terceiro lugar (e não menos importante), se coloca o desafio da resiliência climática. As longas consequências de uma tempestade no município de São Paulo no dia 03 de novembro de 2023 e o cenário atual de calamidade pública no estado do Rio Grande do Sul nos lembram que esse tema e os impactos à prestação de serviços públicos não podem ser esquecidos.

Felizmente, o Decreto n° 12.068/2024 não fugiu das batalhas mencionadas acima. Ao discutir as diretrizes para a prorrogação, o normativo elenca tanto a continuidade do fornecimento de energia como a qualidade da gestão econômico-financeira das concessões - critérios já conhecidos desde a prorrogação permitida nos termos da Lei n° 12.783/2023 - como referência para o aditamento dos contratos de concessão, conforme modelo a ser ainda delineado pelaAgência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Especificamente com relação à questão da mudança do papel das distribuidoras, o decreto fixa algumas diretrizes a serem previstas nos termos aditivos aos contratos de concessão, a exemplo da flexibilidade normativa para definição do regime de regulação econômica que melhor se adapte à evolução do segmento de distribuição e flexibilidade contratual para possibilitar a prestação de serviços de modo concorrencial por outros agentes. Além disso, o decreto indica que as concessionárias deverão realizar a separação tarifária e contábil das atividades de comercialização de energia e de prestação do serviço público de distribuição, possibilitando uma avaliação individual de cada atividade.

Já no que se refere à transição energética, os aditivos deverão abordar questões como eficiência energética e digitalização de redes e serviços, modernidade, autorização para a concessionária exercer outras atividades empresariais e homologação de tarifas diferenciadas diante de critérios técnicos, locacionais, geográficos, dentre outros, de forma a combater perdas não técnicas.

Por fim, quanto ao tema da resiliência climática, a minuta do aditivo deverá prever cláusulas a respeito da satisfação dos usuários (medida inclusive discutida em sede do Congresso Nacional), metas de eficiência na retomada do serviço após eventos climáticos extremos e ações para a redução da vulnerabilidade e para o aumento da resiliência das redes de distribuição frente a eventos climáticos.

Assim,  é possível observar que o Governo Federal buscou abordar, ainda que preliminarmente, as questões mais críticas associadas à extensão de concessões de distribuição por mais 30 anos (pelo menos aquelas que conseguimos vislumbrar nesse momento).

Porém, duas provocações ainda permanecem: a curto prazo, a definição e regulamentação de todos os temas levantados acima em termo aditivo, a ser delineado pela agência reguladora e, a longo prazo, como essas regras dialogarão com os avanços tecnológicos e conceituais que o setor de energia ainda deve enfrentar nos próximos anos.

Ana Carolina Katlauskas Calil é sócia do TozziniFreire Advogados. Graduada em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas), Especializada em "Aspectos Físicos e Regulamentares do Setor de Energia Elétrica" pela Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica além de um LL.M. em Mercado Financeiro e Mercado de Capitais pelo Insper.

Ana Carolina Katlauskas Calil

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