Recebi honroso convite da Análise Editorial para escrever um artigo sobre a "importância de professores mais jovens na dinâmica do Direito (universitário)". Diria que, em meio aos trabalhos que já tive a oportunidade de produzir, este, embora breve e opinativo, talvez seja um dos mais desafiadores.
Falando com franqueza, a simplicidade aparente do tema contrasta com a dificuldade de um professor jovem formular recomendações verdadeiramente aptas a contribuir com o ensino e a aplicação do Direito.
Em alternativa, nas linhas seguintes busquei compartilhar três ideias reunidas na prática conjugada da advocacia contenciosa com a atividade docente. A minha intenção é que estas notas reflitam muito mais um relato de predileções e impressões pessoais que qualquer espécie de orientação acadêmica.
Antes, para permitir a avaliação crítica do leitor, deixo registrado que, na data de elaboração deste texto, somo nove anos de prática jurídica, principalmente no contencioso cível, e quatro anos de magistério, como professor de Direito Civil. Sou advogado no Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados, escritório dedicado ao contencioso estratégico e estabelecido em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília. Formei-me na graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e no mestrado em Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Comecei a efetivamente exercer a docência em 2018, ainda na UERJ, em estágio docente sob orientação da talentosa professora Aline de Miranda Valverde Terra. Já há algum tempo, além de aulas pontuais a convite noutras instituições, tenho a oportunidade de atuar como professor convidado do Instituto de Direito da PUC-Rio, particularmente na pós-graduação lato sensu e em cursos de extensão. Afeito às ciências exatas quando mais jovem, encontrei no mundo jurídico a angústia que me atormentara desde os primeiros dias da faculdade: uma aparente impossibilidade de se alcançarem certezas no Direito.
A matemática do jurista é um tanto quanto particular. O legislador não é capaz de disciplinar antecipadamente todas as variáveis de acontecimentos. Já o ordenamento exprime, a um só tempo, produto da sociedade e instrumento de regulação social. Normas jurídicas, por sua vez, são o resultado da interpretação da lei à luz de específicas situações fáticas, que, diferentemente do que se costuma pensar, não se esgotam no raciocínio lógico da subsunção.
Os institutos jurídicos, além disso, são histórico-relativos, a denotar que seus significados mudam conforme se vire a página da história e a sociedade se transforme. Dado que a norma só é produzida sob as lentes da circunstância fática, afigura-se legítima a conclusão de que nem sempre se oferecem no Direito soluções seguramente concebíveis de antemão. De fato, cada caso é um caso.
Daí por que — eis uma primeira impressão que gostaria de dividir com o leitor — no ensino jurídico não se deve prescindir da realidade em que o jurista se insere e da função que exerce. Mesmo quando se atenta na historicidade e relatividade dos institutos, levando-os em conta no ensino jurídico, é insuficiente estudar o Direito atendo-se apenas a conceitos, tal como se cuidasse de um sistema perfeito, que ofereceria solução chapada a qualquer possível disputa, mediante simples recondução a parâmetros conceituais.
Não é, naturalmente, que os conceitos se revelem desimportantes. Ao contrário, são elementares para a ciência do Direito, porque indispensáveis para que se produza a ciência e se promova segurança jurídica, elemento em que repousa a paz coletiva. Todavia, tão importante quanto aprender os conceitos é entender em que conjuntura de sociedade se encaixam, a que servem e de que maneira podem ser úteis, em concreto, para dirimir questões sociais.
Já que a sociedade produz e recepciona as normas jurídicas, não pode faltar ao jurista uma dose de realidade. Dito diversamente, acredito que a aplicação do Direito e o aprendizado jurídico se tornam mais simples quando realizados tendo em conta não apenas o universo da dogmática, mas, também, a realidade, o mundo real das coisas, das instituições e das pessoas, ao qual os conceitos se aplicam. Facilita a assimilação de uma ciência social essa constatação sobre o seu próprio ser.
Uma segunda ideia relativamente à prática da docência — aliás, também da advocacia — vem de premissa que soa a certo truísmo: o jurista fala sempre para pessoas. Essas pessoas são permanentemente movidas a emoções, sentimentos e pré-compreensões.
Somos influenciados por nossas histórias, enxergamos o mundo de uma maneira que é só nossa e, a qualquer informação recebida, sentimos. É ingênuo pensar que, na atuação da norma, o operador jurídico se desgarra, por inteiro, das sensações que o movem e do condicionamento que sua vivência lhe impõe.
Daí advém mais um fundamento a evidenciar a insuficiência de pensar o ensino e a prática jurídica como um arquipélago de regras conceituais. Já que se fala para pessoas, cujas emoções e pré-compreensões condicionam os processos de aprendizado e interpretação, é oportuno perseguir, continuamente, a melhor maneira de se transmitir uma ideia, ciente de que o destinatário não produz meros silogismos com as informações, mas forma suas convicções tendo em vista tanto o dado normativo quanto as experiências particulares e as sensações que o discurso lhe desperta. Transmitir o Direito de forma eficiente depende do compromisso com a compreensão do receptor da mensagem.
A terceira ideia que gostaria de compartilhar concerne à linguagem. Recordo-me que, há cerca de uma década, no início da minha atuação na advocacia, ainda quando estagiário de primeiro semestre da graduação, fui involuntariamente levado a acreditar que a utilização de palavras inusuais evidenciaria requintes de saber jurídico.
Esboço um sorriso ao lembrar que colecionava as expressões em latim identificadas em livros e petições, ansioso para encontrar situações concretas em que as pudesse aplicar. Achei que assim transmitiria sabedoria. E a verdade é que muitos textos doutrinários e petições que lia, em vez de me demoverem da ideia, estimulavam-na no meu inconsciente.
Tenho agora opinião diferente. A má comunicação escrita, por vezes disfarçada no culto desmedido à erudição, é causa de afastamento do jurista da sociedade e acaba por fomentar o obscurantismo.
É claro que, no domínio de uma ciência, não se deve nem se pode renunciar à terminologia técnica, que encerra pressuposto indeclinável de constituição do ordenamento. Mas o aplicador do Direito ciente de que sua ciência é meio, e não fim, precisa ser, antes de jurista, um bom contador de histórias, e as boas histórias, as mais inteligíveis, vivem na simplicidade. Na frase atribuída a Leonardo da Vinci, a simplicidade é o mais alto grau de sofisticação.
Certo é que, como alunos ou professores, todos temos preferências. Quando discente, por exemplo, eu não era o maior dos fãs das aulas baseadas apenas em leituras de apresentações de PowerPoint ou guiadas pela letra da lei, em estudo tópico de dispositivos legais. Excelentes professores têm talento bastante para adotar esses métodos e cumprir com esmero suas missões na docência. Como expliquei anteriormente, falo aqui de predileções.
Também me ressenti, em algumas oportunidades, das faltas de exemplos que pudessem ajudar a traduzir noções particularmente complexas e cuja aplicabilidade prática eu não conseguia intuitivamente visualizar. Percebi, noutras vezes, que já se contava algum tempo entre as datas das aulas e a época em que possivelmente se conceberam lições que me foram transmitidas, despertando-me a dúvida sobre a valia do fluxo de informações que recebia.
De toda sorte, considero ter estudado o Direito com excelentes professores, dotados de vocação específica para o magistério. Na minha formação, foram fundamentais professores de todas as idades, alguns mais outros menos experientes. Foram raríssimos os meus momentos de desalento na academia.
Agora, como docente em início de carreira, busco aproveitar a proximidade da época em que estive do outro lado da sala, além da atuação na advocacia contenciosa, para cultivar e colocar em prática essas ideias despertadas pela vivência.
Gostaria de ter espaço para compartilhar outras. Por ora, tentando me manter fiel ao escopo do convite, reúno as três apresentadas neste breve texto de opinião.
A primeira é a de que o mundo dos conceitos se realiza e se resplandece no mundo dos fatos. Na construção do Direito, conceitos e fatos se correlacionam, a todo instante. A segunda é a de que o Direito é feito por pessoas e para pessoas, cujas inteligências não são dissociáveis das pré-compreensões e sensações; o discurso jurídico que negligencie elementos extranormativos é, por natureza, incompleto. A terceira ideia, finalmente, é a de que a comunicação do Direito, em vez de desafiar o destinatário, deve cativá-lo. A boa técnica se torna ainda melhor quando encontra a simplicidade como veículo eficiente de divulgação.