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CPR: o green bond do agronegócio brasileiro

Alessandro Casagrande, engenheiro agrônomo, e Rafael Ferreira Filippin, sócio coordenador do escritório Andersen Ballão Advocacia

8 de June de 2021 8h

A transição para uma economia de baixo carbono é uma realidade. Os britânicos estimam que 70% da economia global já esteja engajada em zerar suas emissões (net zero) até 2050. E o agronegócio brasileiro dispõe de um instrumento muito interessante para contribuir com esse esforço mundial: a Cédula de Produto Rural (CPR).

É verdade que existem outros títulos com finalidade semelhante. O exemplo mais conhecido são os CBios, créditos de carbono emitidos no contexto do RENOVABIO que são adquiridos pelas distribuidoras de combustíveis que têm metas de neutralização de emissões. Por outro lado, é certo que os CBios beneficiam, por ora, apenas a cadeia do agronegócio que se dedica à produção da matéria-prima para os biocombustíveis. Por sua vez, os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e as debêntures também já foram usados para captar recursos para projetos com critérios de sustentabilidade verificados, o que mostra uma nítida tendência no mercado de usar esses green bonds.

A propósito, essa é uma tendência que se verifica também em outros setores da economia, seja porque o acesso a financiamento, segundo as novas regras que o Banco Central propôs, será cada vez mais restrito a quem for capaz de demonstrar suas informações sobre riscos sociais, ambientais e climáticos (ESG), de modo a mitigar os riscos sistêmicos causados pelas mudanças climáticas; seja porque o acesso aos mercados da União Europeia, por exemplo, estarão sujeitos a mecanismos de ajuste que só permitem o ingresso de empresas que neutralizam as suas emissões de carbono Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM).

Ou seja, a tendência é inegável. Mas qual é o potencial do mercado de neutralização de carbono? Em 2020, por exemplo, foram negociados mais de 700 milhões de reais em CBios, cujo preço tem sido mantido em torno dos 30 milhões de reais, segundo os dados da B3.

Porém, no mercado de carbono compulsório europeu, a mesma tonelada de carbono está sendo negociada a 50 euros, algo em torno de 335 reais, isto é, dez vezes mais que o valor da tonelada de carbono evitada no Brasil. Há quem aposte que a reorientação política do presidente Joe Biden signifique que o mundo está cada vez mais perto de um mercado global de créditos de carbono, nos moldes do artigo 6.4 do Acordo de Paris, o que abrirá uma gama enorme de oportunidades para o agronegócio brasileiro, na opinião do ex-ministro Joaquim Levy, que afirmou que o Brasil tem o capital humano e os recursos naturais para ser vitorioso na corrida da descarbonização da economia global.

Essa também é a opinião do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS): a de que o Brasil tem tudo para ser o protagonista das soluções voltadas à neutralidade climática, num mercado de green bonds que circulou cerca de 290 bilhões de dólares em 2020 (algo em torno de 1,5 trilhão de reais). Isso sem contar a "tokenização" dos créditos de carbono, que nada mais é do que um contrato digital (token) emitido usando a tecnologia blockchain e linkado a um documento jurídico que representa um ativo real.

O lançamento do token MCO2, no início de fevereiro de 2021, marca o lançamento do primeiro Token de Crédito de Carbono verdadeiramente global. Um crédito de carbono representa uma tonelada de carbono capturado ou não emitido. Assim, um token na plataforma MOSS equivale a compensar uma tonelada da pegada de CO2. Estima-se que 10 milhões de dólares foram enviados para projetos de conservação da floresta Amazônica em oito meses por meio da plataforma.

Enfim, diante de um potencial gigantesco como esse, o agronegócio brasileiro pode fornecer soluções de compensação e neutralização de emissões, uma vez que existe um verdadeiro movimento em torno da captura e sequestro de carbono orgânico no solo. Em 2015, o então Ministro da Agricultura da França, Stéphane Le Foll, por ocasião da COP-21, em que foi firmado o Acordo de Paris, lançou a iniciativa "quatro por mil: solos em prol da segurança alimentar e do clima", que contém uma estratégia para transformar a atividade agrícola num sumidouro de carbono - agronomicamente falando, significa a adição da matéria orgânica ao solo, que ocorre principalmente pela entrada do carbono resultante da síntese de compostos orgânicos durante a fotossíntese. Este processo da quantidade a ser incorporada ao solo depende das espécies vegetais e dos sistemas de cultivos em uso.

Neste sentido, no último dia 20 de abril, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou o Plano ABC+ 2020-2030. O plano traz as estratégias do governo para a promoção da agricultura de baixa emissão de carbono na próxima década, o que foi seguido pela EMBRAPA que lançou o Programa SBC (Soja Baixo Carbono).

Por sua vez, o cinema também está popularizando cada vez mais essas iniciativas da agricultura sustentável e de baixo carbono, que inclusive garantem maiores retornos financeiros aos produtores, em filmes como Kiss the ground (Solo Fértil) e Living in the future’s past (Um convite ao futuro), que estão fazendo muito sucesso em plataformas de streaming como a Netflix. A propósito, empresas como a Microsoft já estão neutralizando suas emissões por meio de compra de créditos de carbono emitidos por agricultores que adotam essas técnicas. No Brasil, a Revista Globo Rural divulga frequentemente resultados muito positivos das formas sustentáveis, biológicas e de baixo carbono existentes no Brasil, as quais estão disponíveis inclusive para propriedades de grandes extensões.

Como o agronegócio pode emitir green bonds?

O primeiro passo é, sem dúvida, a certificação da adoção de práticas sustentáveis e a contabilização do carbono sequestrado. E o uso da tecnologia de blockchain para a verificação, monitoramento e auditoria dos resultados alcançados garante a segurança da operação, permitindo inclusive a "tokenização" do crédito de carbono. Então é possível emitir uma CPR para cada tonelada de carbono sequestrada e verificada na certificação. Essa possibilidade está instituída na Lei Federal nº 8.929/1994, com redação dada pela Lei Federal nº 13.896/2020, no Art. 1º, § 2º, II, onde está definido que, entre os produtos rurais que podem ser representados pelas CPRs estão as toneladas de carbono sequestrado pela conservação de florestas nativas ou obtidas em outras atividades florestais, cujo lastro é dado tanto pela certificação, quanto pela garantia real do imóvel onde se encontram essas florestas (Art. 3º, § 3º), o que proporciona uma segurança jurídica muito significativa para a operação.

Ademais, a Lei Federal nº 12.651/2012 assegura que as CPRs podem representar também os créditos de carbono oriundos de florestas localizadas em Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal e poderão ser negociadas a título de pagamento por serviços ambientais (Art. 3º, XXVII,  Art. 41, § 4º), assim como a recentíssima Lei Federal nº 14.119/2021 permite a livre negociação entre agentes privados para pagamentos por serviços ambientais e inclui expressamente entre eles o sequestro de carbono (art. 2º, II, c).

Por fim, a Lei da Polícia Nacional de Mudanças Climáticas (Lei Federal nº 12.187/2009) autoriza que os green bonds representativos de créditos de carbono, a exemplo da CPR, sejam amplamente negociados em mercado, assim que organizados pela Comissão de Valores Mobiliários (art. 9º).

Em outras palavras, o contexto normativo dá a segurança jurídica necessária para que a CPR seja o green bond do agronegócio brasileiro que, amparado por certificação, permitirá que todo e qualquer produtor rural brasileiro ingresse no mercado mundial de créditos de carbono, rentabilizando áreas onde antes havia restrições ambientais e, enfim, contribuindo para o esforço mundial de combate às mudanças climáticas.

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