Congresso debate nova tentativa de aprimorar regras de falência para empresas e empresários | Análise
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Congresso debate nova tentativa de aprimorar regras de falência para empresas e empresários

Por Fabio Braga e Guilherme Bechara, sócios do Demarest Advogados

23 de May de 2024 20h

Tramita no Congresso desde o início de 2024, o projeto de lei que visa aprimorar o processo falimentar, mediante alterações em dispositivos da Lei 11.101, de 2005. O texto tem por base a proposta inicial do Ministério da Fazenda, seguida de um substitutivo apresentado pela relatoria do projeto e tramitado em regime de urgência na Câmara dos Deputados (PL 03/24).

Com esse PL, o objetivo é apoiar o crescimento da economia nacional e desburocratizar o processo falimentar. Em tese, esses efeitos seriam acompanhados pela redução da judicialização em torno de questões que poderiam ser solucionadas mediante a participação mais efetiva de credores.

Dentre as alterações mais significativas ao atual regime falimentar, a aprovação do texto do PL 03/24 criaria a figura do "gestor fiduciário" e o conceito de "plano de falência". Além disso, mudaria as regras de nomeação e de remuneração de administradores judiciais.

Sem negar o mérito da iniciativa de reforma, de modo geral, o processo legislativo não foi precedido de avaliação e debate com o mercado e com os profissionais de insolvência, o que não seria de se esperar dada a relevância das implicações das mudanças propostas.

Tanto a criação do gestor fiduciário quanto a ampliação decisória das assembleias de credores têm sido consideradas pontos sensíveis, com potencial para gerarem efeitos contrários aos esperados, como o próprio aumento do nível de judicialização ao longo do processo de falência.

De qualquer forma, o PL 03/24 estabelece que à assembleia geral de credores caberá eleger o gestor fiduciário, que, além de elaborar o plano de falência, deverá realizar a venda de bens para fazer frente às despesas do processo e aos pagamentos devidos aos credores, conforme sua classificação de preferência. Ao administrador judicial da falência

caberá atuar apenas em caso de não deliberação da assembleia de credores quanto à eleição do gestor fiduciário.

No plano de falência serão contemplados a proposta de gestão de recursos da massa falida e as estratégias para a venda de bens e para a condução de processos judiciais, administrativos ou arbitrais. Devem também ser incluídos itens relevantes como a compra dos bens da massa falida mediante a utilização de créditos dos credores, a transferência dos bens da massa falida a nova entidade que conte com participação dos credores e a sugestão de descontos em relação a créditos, desde que haja aprovação pela respectiva classe de credores (exceto quanto a créditos fiscais e os relativos ao FGTS).

De acordo com as propostas de alteração, o plano de falência deverá ser aprovado em assembleia de credores após ser confeccionado pelo gestor judicial, capturando e tratando questões relevantes surgidas no âmbito do processo. Com isso, transfere-se para os credores a definição sobre aspectos relevantes, em linha com o princípio majoritário e o princípio da autonomia da vontade, os quais deveriam servir para promover a harmonização de objetivos e interesses dos credores.

Parece-nos que já seria possível antever-se, nesse cenário, a ocorrência de situações de potencial conflito de interesses entre os credores, assim como entre todos eles e o próprio falido, o que poderia ensejar maior nível de acionamento das vias judiciais para revisão de atos e deliberações.

Vale destacar, ainda, que, dentre as principais alterações propostas, está aquela que determina que os valores de créditos de natureza trabalhista (devidamente determinados pela Justiça do Trabalho) deverão ser pagos de forma centralizada perante o juízo falimentar, vedando-se a implementação de qualquer ato de execução, cobrança, penhora ou arresto de bens por intermédio das respectivas varas trabalhistas. O projeto aumenta o limite de crédito de 150 para 200 salários mínimos por credor.

Por outro lado, os créditos da Fazenda Pública passariam a ser listados mediante "memória de cálculo" com o maior nível de desconto possível que poderia ser obtido em programas de incentivo à regularização ou de transação tributária vigentes.

Em relação à recuperação judicial, o PL 03/24 também traz mudanças quanto ao intervalo entre os pedidos de recuperação sucessivos pela mesma empresa, que passa a ser de dois anos. Porém, a observância desse prazo pela empresa poderá ser desconsiderada desde que todos os créditos dos credores sujeitos à recuperação anterior tenham sido pagos integralmente.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica também poderá sofrer alterações. O seu requerimento somente poderá ser formulado pelo administrador judicial em nome da massa falida, estendendo-se os efeitos de seu reconhecimento judicial à universalidade dos credores. Segue sendo objetivo desse procedimento incidental de desconsideração da personalidade jurídica a busca por bens pessoais de controladores e administradores da falida (e, em determinadas situações, de outras entidades integrantes de seu grupo econômico), com vistas ao pagamento aos credores.

O PL 03/24 segue agora para apreciação no Senado, porém, ainda acompanhado por fortes críticas do mercado e da academia. Tão importantes mudanças em mais outra rodada de revisão da Lei nº 11.101/05 requerem, afinal, uma participação muito maior de todo o mercado, sopesando-se todos os potenciais impactos decorrentes, tanto os esperados, quanto principalmente os que podem e devem ser evitados.

Fábio Braga é sócio da área de direito Bancário e Financeiro do Demarest Advogados, é pós-graduado em Negociações Econômicas Internacionais pela Unesp, participou do curso de Direito Latino-americano pela School of Law da University of Miami (EUA) e da The Academy of American and International Law - Southwestern Institute for International and Comparative Law, Dallas (EUA). 

Guilherme Bechara é sócio das áreas de Resolução de Disputas, Reestruturação e Falência e Investimentos Alternativos do Demarest, Guilherme Fontes Bechara é mestre (LLM) em Corporate Governance and Practice pela Stanford Law School, Stanford University (EUA) e em Direito Civil pela PUC-SP.

Fabio Braga e Guilherme Bechara

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