Compliance concorrencial fora da caixa: endereçando riscos antitruste para além do cartel de preços | Análise
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Compliance concorrencial fora da caixa: endereçando riscos antitruste para além do cartel de preços

Por Camila Pires da Rocha, Mariana Villela e Priscila Brolio Gonçalves, sócias do Brolio Gonçalves Advogados

30 de June de 2022 10h

Quando se fala em compliance antitruste, o que vem em primeiro lugar à mente são treinamentos e diretrizes voltados a orientar empresas e seus empregados sobre os riscos envolvidos no compartilhamento ou combinação de preços e outras variáveis concorrenciais com seus concorrentes diretos. Esse tipo de orientação, contudo, cobre uma parcela limitada das condutas que representam riscos concorrenciais. Isso porque há uma variedade de comportamentos que podem ser considerados anticompetitivos e que, com frequência, estão fora do radar das empresas.

Focando apenas no universo de compartilhamento de dados - vale aqui ressaltar que há diversas outras condutas que podem ser objeto de investigação sob o ponto de vista da Lei n. 12.529/2011, que não serão objeto deste artigo em razão da limitação de espaço - o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), na esteira das melhores práticas internacionais, tem voltado os olhos à troca de informações sobre variáveis consideradas sensíveis e estratégicas para muito além do clássico compartilhamento de preços entre empresas rivais.

Encontram-se sob escrutínio do CADE, por exemplo, intercâmbios sobre custos de transporte, logística e estratégias de marketing, alocação e contratação de empregados, salários, benefícios, políticas de promoção, dentre outros. Trata-se de informações cuja troca foi encarada, por muitos anos, como parte de benchmarking rotineiro, que não representava risco, especialmente quando realizado por grupos de empresas que não são consideradas como concorrentes diretas.

O cenário hoje é muito distinto. Além de situações em que o CADE adota uma concepção ampla dos produtos/serviços que podem ser considerados como rivais nesse sentido, existe pelo menos uma investigação no setor de autopeças que contempla uma análise do mercado secundário de forma agregada - já foi expressamente estabelecido que, em relação à força de trabalho, empresas de setores muito diversos podem ser reputadas concorrentes. Nesse ponto, vale registrar processo administrativo em andamento no CADE cujo objeto é investigar - o compartilhamento de informações de Recursos Humanos e o alegado alinhamento entre empresas que, apesar de não concorrerem diretamente quanto aos produtos/serviços que oferecem, concorrem pela força de trabalho.

Assim, a preocupação das empresas em garantir um comportamento escorreito de colaboradores e parceiros sob a ótica antitruste não pode se resumir a proibições genéricas em relação ao compartilhamento e alinhamento de preços. Para que políticas de conformidade concorrencial sejam mais efetivas, faz-se necessária uma compreensão holística de todas as variáveis que são, de alguma forma, estratégicas para a condução das atividades empresariais. Apesar dos exemplos clássicos serem úteis ainda hoje para a didática em relação a certos comportamentos considerados inadequados - cite-se, para ilustrar, reuniões de concorrentes debatendo preços no âmbito de associações e sindicatos -, para a implementação de um compliance realmente eficaz é preciso ampliá-los, explorando situações envolvendo outras variáveis que podem representar riscos tão ou mais concretos.

Não bastasse a necessidade de se olhar para além dos preços e concorrentes diretos, também é preciso contemplar outros contextos em que as empresas se deparam com a perspectiva de compartilhar volumes relevantes de informações, e nos quais a linha que separa a troca legítima da incursão em práticas anticompetitivas pode ser tênue.

No último ano, houve um aumento significativo das operações de M&A e VC no país. Esse universo toca a seara do antitruste na medida em que algumas dessas operações são de notificação obrigatória ao CADE e, por isso, demandam aprovação prévia da autoridade para a sua consumação. A análise do ponto de vista concorrencial, normalmente, é demandada para a verificação da necessidade de submissão e de seus potenciais impactos no mercado.

No entanto, mesmo operações que não são de notificação prévia obrigatória, por não preencherem os critérios legais, podem demandar uma avaliação antitruste mais detalhada nas fases de due dilligence e pré-closing, a fim de garantir um compartilhamento seguro, evitando o extrapolamento na troca de dados para além das necessidades reais para avaliação da viabilidade e interesse na continuidade da operação.

Vale ressaltar que a preocupação com o intercâmbio de informações é particularmente relevante quando as partes envolvidas na operação são concorrentes, ainda que não se limite a tais situações, como visto acima. Isso porque qualquer compartilhamento que ultrapasse o estritamente necessário para os fins da operação em análise pode resultar, no caso de não consumação da operação, em investigação por troca autônoma de dados estratégicos, levando a uma investigação pelo CADE, o que significa altos custos para as partes mesmo quando não há condenação. Os processos administrativos da Lei 12.529/11 são, por natureza, de duração longa, implicando em gastos consideráveis para a elaboração de defesa, acompanhamento e, até mesmo, negociação de acordos com a autarquia.

O objetivo desse artigo foi pincelar situações menos discutidas em que o compliance antitruste pode ser aplicado, aumentando a visibilidade de alguns tópicos relevantes para os responsáveis pela condução de treinamentos e elaboração de diretrizes de conformidade. A preocupação com os clássicos acordos de preços e com a troca de informações, que possa levar ao alinhamento dessa variável, continua sendo um item importante na agenda dos executivos de compliance, mas é imperativo que outros aspectos entrem no radar, contribuindo para programas mais abrangentes e efetivos.