A governança moderna e sustentável das organizações, sejam privadas ou públicas, impõe a adoção de um Programa de Compliance sólido. Isso não é novidade. No entanto, a mudança de paradigma de uma visão corporativa centrada no lucro para uma perspectiva que considere a responsabilidade das organizações e seus impactos perante a sociedade trouxe novas camadas à discussão sobre conformidade e ética.
O conceito de desenvolvimento sustentável, qual seja aquele ecológico e culturalmente correto, socialmente justo e economicamente viável, passou a integrar as preocupações das empresas e as suas reflexões sobre sua função social. Nesse sentido, a visão corporativa passou a levar em consideração não somente as necessidades da geração presente, mas também a garantia de uma sobrevivência digna para as gerações futuras.
Um dos marcos do debate sobre sustentabilidade é a "Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável", firmado em 2015 pelos Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse documento, restaram elencados 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), bem como metas a eles atreladas. Salienta-se que o trabalho para o cumprimento dos objetivos e metas não se resume à atuação de organismos públicos, senão também das organizações privadas. Para o que interessa ao Compliance Antidiscriminatório, ressaltamos alguns dos seguintes objetivos e metas:
Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas
5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública
Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos
8.8 Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes e, em particular, as mulheres migrantes, além de pessoas em empregos precários
Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles
10.3 Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito
Nessa linha, se consolidou em definitivo o conceito ESG (acrônimo em inglês para Environmental, Social and Governance). Atualmente, os impactos sociais e ambientais, externos e internos; a responsabilidade e a função social das empresas e a adoção de uma cadeia produtiva sustentável, entre outros fatores, devem permear todos os níveis de governança corporativa, antecipando riscos e informando a tomada de decisões.
Em paralelo, a Diversidade e a Inclusão ganharam espaço, sendo imperativas para as organizações, não só em termos éticos e de responsabilidade social, mas também como forma de estimular a inovação e a geração de valor.
É nesse contexto que o Compliance Antidiscriminatório se apresenta como forma de garantir uma governança corporativa sustentável, atenta a aspectos culturais, sociais e ambientais. Ainda, é imprescindível para a consolidação de programas de D&I que desejam ir além de uma resposta rasa a uma demanda do mercado.
Assim, podemos conceituar o Compliance Antidiscriminatório como um conjunto de processos técnicos e de gestão de riscos para identificação, prevenção, mitigação, detecção, gestão e correção de incidentes relacionados à diversidade racial, de gênero, de classe social, de orientação sexual, dentre outros.
Ainda, um programa de Compliance Antidiscriminatório não deve somente focar em aspectos de risco mais tradicionais, como condutas inapropriadas, de assédio ou violações das leis trabalhistas. De forma especializada e aprofundada, deverá ir além e perseguir os seguintes objetivos, dentre outros:
- Garantir o respeito à diversidade;
- Promover o convívio marcado pelo respeito e pela segurança;
- Consolidar uma cultura interna fundada na ética e nos direitos humanos;
- Fomentar um espaço não-violento de acolhimento da multipotencialidade das diferenças e estímulo do livre desenvolvimento da personalidade;
- Sistematizar políticas corporativas que promovam a equidade.
Compreendidos o contexto em que o Compliance Antidiscriminatório se forja, bem como seus conceitos e objetivos, resta a dúvida: como implementá-lo na prática em minha empresa ou escritório de advocacia?
Como é sabido, a construção de um programa efetivo de conformidade, seja especializado ou não, necessita de um profundo conhecimento prévio acerca da cultura organizacional, das atividades desempenhadas pela empresa, bem como dos riscos e impactos a elas atreladas. Dessa forma, somente uma consultoria especializada, interna ou externa, será capaz de identificar riscos e desenhar um plano de ação adequado e confiável.
No entanto, para aquelas empresas e escritórios de advocacia que queiram dar passos iniciais no caminho de uma cultura organizacional mais diversa e inclusiva, seguem algumas possibilidades atentas à antidiscriminação:
- Expressar um posicionamento firme da alta gestão de não tolerância a situações de discriminação;
- Incluir os princípios de não discriminação em seu Código de Ética e Conduta;
- Propiciar espaços de debate e aprendizado sobre antidiscriminação, conduzidos por pessoas especializadas e com autoridade no tema;
- Manter uma comunicação interna e externa alinhada à não discriminação.
O percurso até a equidade é tortuoso e difícil, marcado por avanços e retrocessos. É necessário resiliência e comprometimento com as pautas de não discriminação e direitos humanos, além de uma cultura e comunicação corporativas firmes e coerentes. No entanto, além de um imperativo ético, a construção de espaços públicos e privados mais equânimes será, cada vez mais, uma exigência da sociedade e do mercado. Cabe às empresas e aos escritórios de advocacia decidirem se acompanharão esta evolução ou se ficarão na obsolescência.