O Brasil é tradicionalmente conhecido como o país que possui uma das maiores taxas de juros do mundo e isso é devido a uma série de fatores históricos que moldaram o nosso modelo bancário e a compreensão da sociedade sobre o assunto.
A ideia aqui não é exemplificar os motivos pelos quais os bancos tradicionais costumam cobrar valores elevados de título de juros de seus clientes, pois independentemente dos motivos, tal situação abriu margem à concorrência e possibilitou que novos players pudessem criar produtos distintos e mais acessíveis à sociedade.
Dentre os diversos produtos que foram criados nos últimos anos, os contratos de empréstimo com garantia em imóveis são os que mais ganham escala de crescimento e aceitação da sociedade, seja porque as taxas de juros praticadas são nitidamente menores do que as taxas usualmente cobradas pelos bancos, seja porque são de fácil acesso, sem a costumeira burocracia que sempre foi imposta aos tomadores, ou ainda porque estão sendo explorados pelas diversas fintechs que surgiram no mercado mundial para transformar o conceito de negócio bancário.
As empresas tipificadas como startups que atuam no segmento bancário e financeiro são conhecidas no mercado como fintechs. Hoje, as fintechs fazem parte de um fenômeno mundial que está transformando todos os mercados e setores da indústria, visto que suas ideias, valores e missão basicamente almejam transformar o status quo de nichos e negócios que atuam há dezenas e centenas de anos de uma forma, mas que atualmente não refletem mais os anseios e necessidades da sociedade.
Dentro desse movimento de transformação do segmento bancário e financeiro brasileiro, com o intuito de desburocratizar e flexibilizar o acesso às plataformas de empréstimos no país, as fintechs chegaram e trouxeram o modelo de contrato de empréstimo com garantia em imóveis, que no Brasil é mais conhecido como Contrato de Home Equity.
Em linhas gerais, o Home Equity é a junção de dois contratos que estão tipificados no ordenamento jurídico brasileiro, sendo:
- Contrato de Mútuo que está previsto nos artigos 586 e seguintes do Código Civil Brasileiro;
- Contrato de Alienação Fiduciária que está previsto na Lei Federal nº 9.514/1997.
Para esse tipo de operação é necessário apenas que o proponente a um empréstimo ofereça em garantia um imóvel livre de ônus a fim de que o mesmo seja gravado com alienação fiduciária até que a totalidade da dívida seja satisfeita.
A inovação por si só não foi somente a junção dos referidos institutos jurídicos em um único instrumento contratual.
O que realmente vem transformando o mercado bancário e financeiro brasileiro são diversos fatores, que juntos podem colocar o Brasil definitivamente em uma posição de destaque mundial de acesso à funding para quem precisa de um empréstimo.
Cabe ponderar que essa nova concepção e metodologia de negócio só se tornou possível graças ao Direito, o qual é sendo aplicado cada vez mais de forma moderna, inovadora e sem perder a segurança jurídica que é fundamental para o empreendedorismo e comércio.
Para exemplificar, cito alguns dos benefícios dos contratos de Home Equity:
Taxa de juros
Segundo alguns dados levantados pelo Banco Central do Brasil, até 2018 a média de juros praticada no Brasil varia de 9,3% até 271% ao ano. Tal informação por si só já é suficiente para mostrar o porquê os contratos de Home Equity ganham tanto espaço e são demandados diariamente por milhares de brasileiros.
Nas operações de Home Equity a média mensal dos juros é de 0,99% ao mês.
As fintechs mostram que é possível a concepção de um novo formato de taxação de juros no Brasil.
Tecnologia
O Direito, mais uma vez, se mostra como um grande aliado da tecnologia para a transformação dos mercados e dos negócios. Nas operações de Home Equity os contratos e os registros dos mesmos perante os cartórios de registros de imóveis ocorrem de maneira totalmente eletrônica, sem que seja necessária a utilização de papel nas relações contratuais entre as instituições e seus clientes.
A utilização de contratos assinados por meios eletrônicos no Brasil foi juridicamente aprovada com a Medida Provisória 2.200-2 de 2001, que estabeleceu e instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). A ICP-Brasil é ligada à Autarquia Federal que foi criada para regular a assinatura de documentos eletrônicos e é ela quem autoriza a criação das plataformas que são utilizadas para a assinatura de documentos. Embora essa mudança não seja uma grande novidade para outros mercados, para as operações de empréstimo com garantia de imóveis o uso de contrato com assinatura eletrônica venceu uma enorme barreira relacionada à segurança jurídica envolvendo a assinatura de documentos eletrônicos.
Outro fator que tornou disruptivo o processo de formalização das operações de Home Equity no Brasil foi a aceitação do registro dos contratos pelos Cartórios de Registros de Imóveis em decorrência da promulgação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Provimento nº 89 de dezembro de 2019, que regulamentou, dentre outras atividades notariais, o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis - SREI, que permitiu e regulamentou a partir de então a integração das unidades registrais brasileiras, os cartórios, para a prática de registros de contratos e documentos eletrônicos.
Além deste provimento, o próprio CNJ divulgou o provimento nº 100 de maio de 2020, que dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado.
Plataformas online
Outro fator que propulsiona as operações de Home Equity no Brasil é a adoção de plataformas online para que os players de mercado possam oferecer uma experiência mais fácil e menos burocrática aos clientes.
Na maior parte dos bancos tradicionais o cliente precisa se dirigir até uma agência para levar seus documentos e solicitar um empréstimo. Esse formato, além de muitas vezes ser demorado e impessoal, já não cabe mais dentro da rotina dos brasileiros.
Quando um contrato na modalidade Home Equity é requisitado para as fintechs, toda a comunicação de quem pretende tomar um empréstimo com a instituição que irá realizar a análise é feita de maneira online e de forma simples. Boa parte da documentação que é utilizada no processo de análise da proposta é obtida pela própria fintech, como acontece com as pesquisas de bureau de crédito, levantamento de apontamentos jurídicos, avaliação dos imóveis que estão sendo oferecidos em garantia e outros.
A experiência do cliente deixa de ser morosa e muitas vezes constrangedora, para algo descomplicado, ágil e com preço justo. A aprovação de uma operação, em média, é realizada de dois a três dias, algo totalmente impensável se comparado aos formatos tradicionais de atendimento pessoal, com filas etc.
Por todos os motivos mencionados, concluo que as operações de Home Equity são totalmente transformadoras e possuem papel fundamental para um maior acesso a fontes de empréstimo pela população de maneira simples, ágil e mais efetiva. Outrossim, fica evidente também que é possível a criação de novos formatos de negócios que são norteados a partir de princípios jurídicos e de Direito que são aplicados ao ecossistema de inovação e que fomentam a nova economia que já está presente em todo o mundo.