Nos últimos anos, as denúncias de assédio moral têm ocupado lugar de destaque nos canais de denúncias corporativas, revelando não só a necessidade urgente de mudança cultural nas organizações, mas sobretudo dos paradigmas em nossa sociedade como um todo. Para fins de exemplo, de 2020 a 2023, a Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, julgou 419.342 ações envolvendo assédio moral e assédio sexual.
O ponto indiscutível é que o combate a esta prática prejudicial deve ser uma prioridade para qualquer empresa que aspire a um ambiente de trabalho saudável e produtivo. Nesse contexto, os programas de Compliance surgem como ferramentas fundamentais para prevenir e combater o assédio moral, com as lideranças assumindo um papel crucial no processo.
No aspecto investigativo, é essencial que as denúncias sejam apuradas com rigor, garantindo que as medidas disciplinares e de remediação sejam aplicadas de maneira adequada. A transparência e a justiça no processo reforçam a confiança das pessoas colaboradoras no sistema e desestimulam a prática do assédio.
Já na prevenção, as ações de treinamento e comunicação têm um papel vital. É importante que todo o time seja capacitado para reconhecer o que constitui assédio moral e os danos profundos que ele causa às vítimas. Os programas de Compliance devem enfatizar a importância de um comportamento respeitoso, mostrando que, em um ambiente de trabalho saudável e diverso, as pessoas se sentem valorizadas e integradas à equipe.
Aqui, faço um destaque para a importância da liderança no estabelecimento de tal perspectiva. Líderes que adotam uma postura humanizada e horizontalizada promovem um ambiente de trabalho mais saudável, no qual o respeito e a integridade são valores inegociáveis. Por outro lado, ainda é comum encontrarmos gestores que perpetuam um modelo de gestão baseado na pressão e na rigidez, acreditando erroneamente que esses métodos são eficazes para alcançar resultados.
Muitos profissionais que foram submetidos ao assédio moral durante suas carreiras acabam reproduzindo um comportamento tóxico quando assumem posições de liderança. Isso ocorre porque aprenderam que a obtenção de resultados justifica a adoção de práticas abusivas. É essencial romper com essa mentalidade e promover uma nova visão de liderança, sobretudo com a chegada das novas gerações ao mercado de trabalho. Gestores precisam entender que suas ações e comportamentos servem de exemplo para toda a equipe, e que a liderança impõe responsabilidades que vão além da simples obtenção de resultados, mas a promoção de uma cultura de integridade ética e inclusão.
Enfim, os processos de Compliance não são atos isolados. São desenvolvidos por pessoas e direcionados às pessoas, e depende delas mesmas para sua consolidação. Portanto, é fundamental que os líderes compreendam e assumam suas responsabilidades, tornando-se verdadeiros exemplos de conduta para suas equipes. Somente assim será possível construir um ambiente de trabalho em que todas e todos se sintam respeitados e valorizados, resultando em um ambiente psicologicamente seguro e de reputação fortalecida entre os diferentes stakeholders.
Alessandra Gonsales é sócia da LEC e do GCAA. Advogada especializada na implementação de programas de Compliance Anticorrupção, de Lavagem de Dinheiro e de Proteção de Dados. Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Empresarial e mestre em Direito Comercial pela PUC-SP, também tem MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Suas pesquisas foram conduzidas na Universidade de Harvard (EUA).
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