Caso Usiminas e grupo Ternium: entenda o direito dos acionistas minoritários e a transferência de controle em companhias de capital aberto | Análise
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Caso Usiminas e grupo Ternium: entenda o direito dos acionistas minoritários e a transferência de controle em companhias de capital aberto

Por Ricardo Pisani Filho, Advogado do Candido Martins Advogados

17 de October de 2024 9h15

Em junho de 2024, o STJ confirmou o direito dos acionistas minoritários da Usiminas de serem indenizados pela compra de ações do bloco de controle da companhia pelo Grupo Ternium, conglomerado de empresas siderúrgicas que desempenha papel relevante na produção de aço na América Latina. A discussão remonta a operação, realizada em 2011, por meio da qual o Grupo Ternium adquiriu 27,7% do total do capital votante da Usiminas, detido pelos grupos Votorantim/Camargo Corrêa e pela Caixa dos Empregados da Usiminas, membros do bloco de controle da Usiminas.

A aquisição das ações por esse grupo suscitou um debate sobre a obrigatoriedade de se realizar a oferta pública de aquisição de ações ("OPA") de que trata o art. 254-A[1] da Lei das Sociedades por Ações ("Lei das S.A."). Nos termos da Lei das S.A., a realização da OPA torna-se mandatória quando a operação de compra de ações de companhia aberta implica na alienação, direta ou indireta, do seu controle acionário.

Devido à possível mudança no controle acionário da Usiminas, os acionistas minoritários moveram uma ação objetivando o reconhecimento da obrigatoriedade do acionamento do gatilho tag along (mecanismo de proteção a acionistas minoritários que assegura o direito destes de (i) participarem de operações que envolvam a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta e (ii) receberem o preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto integrante do bloco de controle) e a consequente necessidade de realização da OPA por parte do Grupo Ternium.

Quando iniciadas as discussões acerca da obrigatoriedade da realização da OPA, os acionistas minoritários argumentaram que a conclusão da operação resultou em um novo pacto entre os acionistas majoritários. O novo acordo de acionistas, celebrado pelos controladores em 2012, reformulou o bloco de controle da Usiminas e alterou significativamente as regras de governança corporativa da companhia.

O STJ, no julgamento realizado em março de 2023, com outra posição e respaldado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entendeu que o ingresso do Grupo Ternium não constituía hipótese de alienação do controle da Usiminas. Com o novo acordo de acionistas, ficou estabelecida uma certa paridade entre o Grupo Nippon e o Grupo Ternium. Não haveria, portanto, a incidência da OPA por alienação de controle de que trata o art. 254-A da Lei das S.A.

Irresignados, os acionistas minoritários apresentaram Embargos de Declaração no Recurso Especial Nº 1837538 - SP (2019/0042867-1). Sustentaram, em síntese, que com a celebração do acordo de acionista de 2012, o Grupo Ternium passou a exercer, de forma dominante, o controle da Usiminas, especialmente em matérias estratégias, situação que não ocorria no bloco anterior. Reforçaram, ainda, a tese de que a verificação da mudança do efetivo controle não dependeria apenas da análise do número de ações adquiridas pelo Grupo Ternium.

Embora a operação discutida neste processo pareça ser apenas a entrada de um terceiro no capital social de uma companhia aberta, as circunstâncias mostraram que a mudança no controle efetivo da Usiminas não se baseou apenas na quantidade de ações adquiridas pelo Grupo Ternium. A verificação da alteração do controle acionário demandou o exame de outros elementos que permitiram confirmar que a operação e a celebração do novo acordo de acionistas resultaram na alteração do controle político da Usiminas.

Em nova votação emblemática, realizada neste ano, a Terceira Turma do STJ formou maioria e confirmou o direito dos acionistas minoritários da Usiminas de serem indenizados pelo não pagamento do preço mínimo assegurado pelo art. 254-A da Lei das S.A.

O voto que encabeçou a reanálise do caso reafirmou a tese defendida pelos minoritários. Observou-se que a verificação da mudança do efetivo controle das companhias de capital aberto não depende apenas da análise sobre o número de ações adquiridas, mas do exame, no caso concreto, de outros elementos que permitiram constatar a ocorrência da alteração do controle político da companhia.

Diante dos elementos analisados e frente as mudanças relevantes na forma como as decisões passaram a ser adotadas pelo grupo controlador, constatou-se o protagonismo que o Grupo Ternium passou a desempenhar no comando doa Usiminas. Isso ficou ainda mais evidente quando se verifica que as novas regras de governança asseguraram ao novo membro do bloco de controle, o Grupo Ternium, o poder de veto sobre decisões estratégicas, algo que não acontecia na vigência do acordo de acionistas anterior.

Por fim, outro ponto analisado no presente caso que merece destaque foi o preço pago pelas ações integrantes do bloco de controle (quase o dobro do valor negociado em bolsa). Embora o ágio pago pelo Grupo Ternium não seja suficiente para sustentar a tese de transferência do poder administrativo da Usiminas, a aquisição de ações integrantes do bloco de controle por valor muito acima do mercado é componente indiciário de que o Grupo Ternium efetivamente pretendia assumir a liderança da direção da Usiminas e não apenas substituir as posições acionárias até então ocupadas pelos vendedores das ações pertencentes ao bloco de controle.

Essa decisão do STJ representa um marco importante para a jurisprudência sobre a transferência de controle em companhias de capital aberto. Sublinha a importância de uma análise abrangente das implicações das mudanças no controle acionário, e fornece uma orientação valiosa para futuros casos envolvendo a alienação de blocos de controle, ajudando a garantir que os direitos dos acionistas minoritários sejam devidamente respeitados e que as mudanças no controle das companhias sejam tratadas com a devida atenção e transparência.

O caso da Usiminas ilustra a complexidade das transações envolvendo blocos de controle e reforça a necessidade de uma regulação cuidadosa e de decisões judiciais que protejam os interesses de todos os acionistas, assegurando uma governança corporativa equitativa e transparente.

[1] Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle

 Ricardo Pisani Filho é Advogado do Candido Martins Advogados

Ricardo Pisani Filho, Advogado do Candido Martins Advogados

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