Além dos benefícios para o cidadão brasileiro e para o mercado de crédito, as disposições contidas na Medida Provisória 1085/21 trouxeram impactos importantes para a incorporação imobiliária, setor de extrema relevância para economia brasileira.
É, sem sombra de dúvidas, mais uma etapa nas medidas necessárias para a redução dos gargalos existentes no ciclo da incorporação imobiliária, especialmente se considerarmos a simplificação e padronização de procedimentos. Não à toa, entidades de classe do setor têm se manifestado favoravelmente à aprovação da Medida pelo Congresso.
Para além dos ganhos com todas as questões inerentes ao Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, questões práticas do dia a dia que geram dúvidas, idas e voltas aos Cartórios e um dispêndio enorme de tempo foram bem tratadas na Medida Provisória.
A padronização de processos e procedimentos traz consigo a redução no volume de interpretações divergentes e é um ponto forte da Medida. Nesta seara estão as disposições sobre a extinção do patrimônio de afetação, tratado no artigo 10 da MP, que explicita quando a extinção se dá de forma automática, quando a averbação deve ser realizada sem conteúdo financeiro e o momento em que deve ser feita quando houver a denúncia da incorporação. No mesmo sentido, ao caracterizar o registro do memorial de incorporação e da instituição de condomínio como ato único.
Aliando padronização e adequando-se aos tempos atuais, a certidão de objeto e pé das ações cíveis e criminais podem ser substituídas pela impressão do andamento do processo digital, desde que este demonstre de forma clara o estágio e a repercussão econômica do litígio. É verdade que nada fala acerca do processo físico, porém não vemos óbice para que não seja aceito mediante a entrega de cópia das peças processuais.
Ainda em relação ao rol de documentos para registro da incorporação, excluiu-se a obrigatoriedade de apresentação do atestado de idoneidade financeira e especificaram-se as informações que devem constar do instrumento demonstrativo da divisão do terreno e respectivas frações ideais, bem como da minuta da Convenção de Condomínio. Em relação a essa última, a disciplina acerca do uso das futuras unidades e das partes comuns do conjunto imobiliário é informação obrigatória.
A destituição do incorporador também foi objeto de padronização, com requisitos que, uma vez cumpridos, reduzem a possibilidade de questionamentos judiciais. Neste sentido, uma vez deliberada em Assembleia a destituição do incorporador, torna-se obrigatório notificá-lo extrajudicialmente - no endereço físico ou eletrônico - por meio do oficial do cartório de registro de imóveis da circunscrição em que está situado o empreendimento.
Referida notificação deve conceder ao incorporador o prazo de 15 dias, contados da data da notificação, para que imita a Comissão de Representantes na posse do empreendimento; entregue os documentos correspondentes à incorporação e os comprovantes de quitação das quotas de construção de sua responsabilidade, bem como efetue o pagamento das cotas que estiverem pendentes.
As unidades não negociadas e vinculadas ao pagamento de quotas da construção não são suscetíveis de penhora por dívidas não relacionadas à incorporação — até que o incorporador comprove os pagamentos — e poderão ser vendidas, devendo o valor obtido ser aplicado no pagamento das quotas da construção.
A ata de assembleia de destituição deve obedecer a requisitos mínimos, descritos no artigo 10 da Medida Provisória. Seu registro deve ser feito no registro de títulos e documentos e, uma vez registrada, é documento hábil para averbação da destituição na matrícula do empreendimento, implementação de todas as medidas judiciais ou extrajudiciais necessárias para o prosseguimento da obra ou liquidação do patrimônio de afetação. Ou seja, fica claro qual o documento necessário a ser apresentado pela Comissão de Representantes para atos importantes e que, muitas vezes, ensejavam solicitações diversas que impediam a celeridade na realização de medidas importantes.
No que tange à maior previsibilidade de tempo para cumprimento de atos pelo incorporador ou pelo Cartório, merecem destaques os prazos para retorno das exigências e o aumento do prazo de validade do registro da incorporação.
As exigências, que por vezes eram apresentadas em momentos diferentes do trâmite do registro da incorporação, devem, agora, ser feitas em uma única vez e expressamente no prazo de até 10 dias úteis - em vez dos anteriores 15 dias corridos. E, uma vez que todas elas tenham sido satisfeitas, em 10 dias úteis deverá o oficial apresentar certidão e devolução da segunda via autenticada da documentação, caso tenha sido apresentada fisicamente. Documentos entregues em formato eletrônico não ensejarão devolução.
O prazo de validade da documentação apresentada para o registro da incorporação passou de 120 para 180 dias. A incorporação tem 180 dias para ser concretizada e, se ultrapassado este prazo, torna-se obrigatória a atualização dos documentos a cada 180 dias. Vale citar que a Medida Provisória clarificou o conceito de concretização da incorporação como sendo a formalização da alienação ou oneração de alguma unidade futura, a contratação de financiamento para a construção ou o início das obras do empreendimento.
Medidas que geram ainda mais transparência ao consumidor e facilitam a organização e o contato entre os adquirentes na hipótese de eventuais contratempos com o incorporador estão presentes na MP. Os destaques são a obrigatoriedade do incorporador de, a cada três meses, enviar informações atualizadas acerca do estágio da obra e do dever de eleição da comissão de representantes no prazo máximo de seis meses, contados da data do registro da incorporação, caso não esteja designada no contrato de construção.
Ainda no viés de benefícios aos adquirentes, está a incumbência do incorporador em proceder a averbação da construção e fazê-la em correspondência às frações ideais discriminadas na matrícula do terreno, permanecendo sua responsabilização perante os adquirentes por perdas e danos que resultem da demora em cumprir tal procedimento.
Cumpre destacar as previsões legais que resultam em ganho de todos os participantes do mercado de incorporação. Entendemos que o maior destaque é a inclusão, na Lei 4591/64, do §1º-A ao art. 32, dispondo que o registro do Memorial de Incorporação sujeita as frações do terreno e respectivas acessões a regime condominial especial, investindo o incorporador e os futuros adquirentes na livre disposição ou oneração de tais frações, sem a necessidade de anuência dos demais condôminos.
A disposição acima é um avanço ímpar para o mercado, na medida em que permite a livre disposição e oneração das frações autônomas — ou seja, possibilita que o adquirente obtenha financiamento imobiliário para aquisição de unidade ainda na planta (em construção), inclusive mediante garantia de alienação fiduciária. E facilita a dinâmica de constituição da garantia no Plano Empresário.
Contudo, ajuste importante deveria ser efetuado no tocante à nomenclatura, dado que a MP previu a inclusão do inciso II, no §10 do artigo 213 da Lei de Registros Públicos, o qual dispõe sobre a representação do condomínio. Nessa parte, citou o condomínio edilício e nomeou o regime de condomínio especial como "condomínio por frações autônomas". Parece válido, nesse ponto, alteração do texto contido na MP para deixá-lo mais claro e evitar distorções de interpretação.
A irretratabilidade dos contratos de venda e compra de unidades caiu por terra com a revogação do §2º do artigo 32 da lei 4591/64, sendo possível adequar-se às necessidades do incorporador e do adquirente ao permitir às partes negociar algumas condições deste ato. Por outro lado, há de se acompanhar com cautela eventuais abusos decorrentes de pedidos de resilição por motivos que não o justifiquem, especialmente em momentos de cenário econômico não favorável.
Por fim, a nova redação dada ao §2º do artigo 1358-A do Código Civil, assim como a inclusão dos incisos I e II no referido parágrafo, possibilita aplicar o regime jurídico das incorporações ao condomínio de lotes e, nesse caso, equipara o empreendedor ao incorporador. Entendemos que a expressão "no que couber" tem por condão reforçar que a adoção do regime deverá observar normas específicas da legislação urbanística que, por vezes, pode limitar a aplicação do regime jurídico de incorporações. No entanto, seria salutar uma melhor redação por meio de emenda à MP para esclarecer esse ponto.
Denota-se que alguns ajustes merecem ser feitos para evitar interpretações divergentes. Contudo, reiteramos que os benefícios trazidos ao mercado e à economia brasileira são grandes na medida em que reforçam a segurança jurídica e trazem mais agilidade a etapas importantes da incorporação imobiliária.