As novas modalidades de execução judicial: cenário atual e perspectivas de evolução | Análise
Análise

As novas modalidades de execução judicial: cenário atual e perspectivas de evolução

Por Andrea Brick e Maurício Sada, advogados do Trench Rossi Watanabe

19 de July de 2022 9h

O recebimento de um crédito judicial, não raro, é uma tarefa muito árdua. Aqueles que ajuízam a ação muitas vezes se valem das já existentes - e há muito conhecidas - ferramentas para a localização de bens passíveis de penhora, realizando pesquisas e diligências nos sistemas SISBAJUD, INFOJUD, RENAJUD, entre outros. Uma vez frustradas as tentativas de localização de bens, é muito comum que se desista de empreender esforços e recursos financeiros para continuar a execução, abrindo mão de receber o que é devido. Daí vem o popular jargão "ganhou, mas não levou".

Ao se deparar com essa situação, operadores do direito passaram a pensar em outras formas de buscar a satisfação dos créditos judiciais. Ultimamente, vemos uma enxurrada de requerimentos de novos meios visando a obtenção do crédito, como penhora de milhas de programas de fidelidade e criptoativos, por exemplo. Com isso surgem pontuais - e intrigantes - questões: o ordenamento jurídico brasileiro de alguma maneira impede a implementação dessas práticas? Como a jurisprudência vai definir essas possibilidades?

Antes de responder, devemos esclarecer que o direito não é algo engessado, não suscetível a mudanças. Ao contrário. Na qualidade de "regras obrigatórias que garantem a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros", como bem versa o jurista e professor Miguel Reale, o direito é - e assim deve ser -, por essência, maleável e sujeito à modernização.

Não à toa, Roberto de Ruggiero e Fulvio Maroi, referências em direito civil, lecionam que "o direito é a norma das ações humanas na vida social, estabelecida por uma organização soberana e imposta coativamente à observância de todos". É de fácil compreensão que, como norma das ações humanas, o direito deve se aperfeiçoar às mudanças na sociedade, sobretudo àquelas decorrentes do avanço tecnológico, sob pena de se configurar letra morta.

Pois bem. Para responder à questão primordial levantada aqui, não existe na norma processual qualquer empecilho a essas novas modalidades de satisfação do crédito devido em decorrência de execuções judiciais. Embora novas, o artigo 833 do CPC, que estabelece rol de bens não sujeitos à penhora, não aponta qualquer aversão - ainda que por analogia - a essas modalidades.

É bem verdade, no entanto, que uma eventual execução (e até monetização) de criptoativos é algo bem mais delicado e complexo. A começar pelo fato de que a comercialização desse bem se dá por meio de chaves de segurança altamente criptografadas, de conhecimento apenas do seu detentor. O Banco Central também não regula ou possui poder de intervenção em relação às corretoras de criptoativos, o que, em princípio, impossibilita uma ordem de penhora. Outro empecilho é que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) garante o sigilo de confidencialidade aos investimentos mobiliários.

Mesmo assim, recentemente algumas decisões têm acatado a penhora de criptomoedas, com a determinação de expedição de ofícios à plataforma Bitcoin.com, à Receita Federal e às corretoras de criptoativos. Porém, são casos de difícil execução, pois quando se trata de criptomoedas, via de regra, não existe a figura de um intermediador. A comercialização é feita entre as pessoas, de forma privada e criptografada.

Desta forma, se por exemplo a corretora não estiver custodiando as criptomoedas ou não detiver as chaves privadas - o que é bem comum -, ela não conseguirá efetivar a execução, mesmo que possa fornecer informações do usuário. Como as regulamentações andarão para que a constrição desses ativos seja mais eficaz na prática? Essa resposta deve vir com o tempo.

Em relação às milhas de programas de fidelidade, já existem acenos dos tribunais para a possibilidade de penhora. O artigo 835 do CPC, ao estabelecer uma ordem preferencial da penhora, elenca ainda "outros direitos". E é justamente nesse flanco que os tribunais vêm acatando a penhora de milhas em algumas oportunidades.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), por exemplo, sob a premissa de que as milhas teriam valor econômico e que não haveria, no caso analisado, outros bens hábeis para a obtenção do crédito, determinou a execução das milhas pertencentes ao devedor. No mesmo sentido, em decisão recente, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região, ao ter frustradas as demais vias possíveis para a localização de bens - e se baseando no fundamento de que a satisfação da execução é o objetivo final do processo - determinou que os "pontos previstos nos saldos de programas de fidelidade de cartões de crédito ou de empresas de aviação (milhagens) dos executados, integram os seus patrimônios pessoais e, portanto, podem responder pelas suas dívidas".

Como se vê, o Judiciário vem admitindo que a penhora recaia sobre outros tipos não tão usuais de bens. Tudo leva a crer que, com o passar do tempo, o avanço tecnológico e a consequente modernização das ferramentas, o direito se aperfeiçoará, permitindo ainda mais opções para a satisfação dos créditos devidos em ações e, de certo modo, agilizando de forma significativa - e em sua plenitude - a efetiva entrega da tutela jurisdicional do Estado.