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Análise

As alterações que a área de compliance não pode deixar passar

Por Hudson Couto, sócio consultor do Marcelo Tostes Advogados

13 de October de 2022 18h45

Entrou em vigor recentemente o novo decreto que regulamenta a Lei Anticorrupção (Lei n° 12.846/13), que trata da responsabilização de pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública. Segundo informações da Controladoria Geral da União, o novo decreto visa solidificar a experiência acumulada nos oito anos de aplicação da Lei Anticorrupção, durante os quais mais de mil processos foram instaurados e mais de R$ 270 milhões foram aplicados em multas.

Uma das novidades mais esperadas no decreto é a que trata dos programas de integridade, também conhecidos como programas de compliance. Esses programas englobam mecanismos e procedimentos internos das empresas para realização de auditorias e aplicação de normas anticorrupção.

Com isso, as empresas que têm uma área de compliance ou planeja criar uma, devem ficar atentas aos pontos a seguir:

Destinação de recursos adequados

Muitas empresas acreditam que o programa de compliance consiste somente na criação de materiais envolvendo políticas anticorrupção, como códigos de conduta e políticas antissuborno. Uma vez publicados, é comum que as empresas invistam cada vez menos no seu programa de compliance, que passa a receber menos investimentos até se tornar apenas mais uma das diretrizes da empresa.

O novo Decreto quer evitar que isso aconteça. A partir de agora, o art. 57, I do Decreto estabelece que a alta direção da pessoa jurídica será avaliada inclusive em relação à destinação de recursos adequados para o programa de integridade.

Isso significa que o investimento em pessoal, infraestrutura e tecnologia no programa poderá ditar os rumos das investigações em caso de descumprimento e, principalmente, reduzir as multas aplicadas. Embora problemas possam aparecer, a nova regra estimula as empresas a investir mais para criar programas fortes de compliance que proporcionem uma resposta apropriada a irregularidades.

Mais destaque à prevenção

Enquanto o decreto anterior estabelecia que os programas de compliance deveriam consistir apenas na detecção e saneamento de atos de corrupção, o novo decreto vai além: agora, o novo art. 56, I, determina que a prevenção da corrupção também deve fazer parte dos objetivos do dia a dia das equipes de compliance.

Na teoria, a nova regra apenas se alinha a outras normas internacionais que já previam a importância da prevenção nos programas, como a ISO 37301. Na prática, porém, a história é outra. Ao incluir a prevenção nos objetivos do programa de compliance, o decreto permite que a atuação feita nesse sentido seja levada em consideração para fins de investigação e penalização pelas autoridades competentes, conforme pontuado abaixo.

Comunicar para conscientizar

A partir de agora, as ações de comunicação periódicas sobre o programa de compliance serão levadas em consideração para fins de avaliação do programa (art. 57, IV). A medida serve para estimular a cultura de compliance por meio da promoção do entendimento e aceitação de todo o programa pelos colaboradores.

A melhor forma de se adequar a essa medida é incluir eventos na agenda de toda a empresa, como comunicados periódicos sobre práticas anticorrupção, rodas de conversa informais sobre o tema, além de newsletters em dias temáticos, como o Dia Internacional de Combate à Corrupção, em 09 de dezembro.

Responsabilidade internacional

Enquanto o decreto anterior já estabelecia a aplicação da lei aos atos praticados contra a administração nacional ou estrangeira, o novo decreto foi além na regulamentação. Agora, o decreto também deixa claro que a lei se aplica a atos lesivos praticados no exterior, seja contra a administração pública estrangeira ou nacional.

A medida visa combater especialmente a prática de suborno transnacional, no qual empresas brasileiras pagam vantagens indevidas, como presentes, benefícios ou dinheiro, para funcionários públicos estrangeiros. Para evitar mal entendidos e irregularidades, as empresas brasileiras devem investir em treinamento especial dos seus representantes que atuam no estrangeiro para se certificar de que estes seguem as boas práticas internacionais.

Penalização mais severa, inclusive para a alta direção

O novo decreto está também mais rigoroso em caso de descumprimento da lei. Uma das medidas tomadas foi o aumento do percentual de multa sobre o faturamento da empresa em caso de tolerância ou ciência do corpo diretivo ou gerencial da empresa (art. 22, I). A medida visa coibir a chamada cegueira deliberada, na qual a alta liderança, mesmo tendo acesso à informação, intencionalmente escolhe não tomar ciência de uma irregularidade com o objetivo de evitar ser envolvida na penalidade.

Outra punição que merece destaque é a diminuição das faixas de multa calculadas segundo o valor dos contratos com a administração pública. Anteriormente, o percentual variava de 1% para contratos acima de um milhão e meio de reais, até 5% para contratos acima de um bilhão de reais. A partir de agora, a faixa de aplicação diminuiu: a multa de 1% passará a ser aplicada quando o somatório de contratos atingir o piso de quinhentos mil reais.

Na prática, isso significa que as empresas precisarão acender o alerta para todos os acordos que firmarem com a administração pública, e não mais apenas os grandes contratos.

Hudson é advogado e contabilista. Coordena a área de Compliance, Gestão de Riscos e Crises do Marcelo Tostes Advogados. Graduado em Direito pela Fundação Educacional Monsenhor Messias, pós-graduado em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (FDC), e Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC).

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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