Anitta x Annita: o que está em jogo na disputa de nomes? | Análise
Análise

Anitta x Annita: o que está em jogo na disputa de nomes?

Por Fernanda Vieira e Julia Furtado, sócia e advogada do Daniel Advogados, respectivamente

27 de May 16h17

Nos últimos dias, uma história inusitada tomou conta das redes sociais: a cantora Anitta estaria tentando barrar, no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), um novo registro pela titular do famoso remédio de verme "Annita". Dessa vez, a Farmoquímica tenta registrar "Anitta" para "Produtos Cosméticos".

A notícia rapidamente viralizou, transformando uma questão técnica de propriedade intelectual em um verdadeiro meme nacional — como se fosse um duelo entre dois gigantes da cultura popular brasileira: de um lado, a artista reconhecida internacionalmente; do outro, o medicamento que marcou a infância de muitos brasileiros.

Mas por trás da curiosidade do caso está uma discussão relevante sobre nomes, marcas e o direito de explorá-los comercialmente.

Nome artístico também é marca

Segundo a legislação brasileira, é proibido registrar como marca, sem autorização, nomes artísticos — mesmo que o produto ou serviço do terceiro não tenha qualquer relação com o ramo de atuação do artista. O ponto central é a notoriedade do nome. Se ele é amplamente conhecido e vinculado a uma pessoa pública, a simples semelhança pode gerar confusão no público consumidor. E isso basta para impedir seu uso comercial por terceiros.

No caso em questão, não se trata apenas de uma coincidência fonética. A cantora Anitta, além de ser amplamente conhecida, já emprestou seu nome para produtos fora do universo musical, como cosméticos e itens de higiene pessoal. Esse histórico reforça a ideia de que o uso do nome "Anitta" por uma empresa farmacêutica em novos produtos pode, sim, causar uma falsa associação na mente do consumidor.

O contexto importa

É verdade que o medicamento Annita já existe há anos no mercado e tem sua própria reputação. Porém, o que está em análise agora não é o uso tradicional do nome para o vermífugo, mas a intenção de usa uma variação deste e estendê-lo a outras categorias de produtos, sobretudo aqueles para os quais a cantora já licenciou seu nome artístico, como cosméticos. E é aí que o risco de confusão se acentua.

Vale também lembrar que, embora o nome Anitta — com dois "tês" — seja um nome próprio que antecede a carreira da cantora, a forma como ele passou a ser percebido pelo público mudou completamente desde que a artista se tornou uma figura de destaque. Hoje, "Anitta" é mais do que um nome: é uma marca cultural reconhecida em nível global.

Precedentes e lacunas

Curiosamente, a cantora ainda não possui registro formal do seu nome em todas as classes de produtos em que poderia atuar, como cosméticos e higiene pessoal — diferentemente de outras celebridades brasileiras e internacionais. Isso abre espaço para discussões jurídicas mais complexas e, possivelmente, para disputas que poderiam ter sido evitadas com um planejamento anterior.

A situação também escancara uma realidade pouco discutida fora dos círculos especializados: a proteção de nomes e marcas no Brasil ainda é, muitas vezes, reativa. Só quando um conflito aparece é que os envolvidos percebem os riscos da falta de previsão e de registros bem pensados.

Entre o jurídico e o simbólico

No fim das contas, o embate ultrapassa a questão legal. Ele reflete uma tensão constante entre tradição e inovação, entre o nome que já circula há anos em um contexto e aquele que, mesmo mais recente, conquistou forte presença simbólica.

E nos leva a uma pergunta instigante: a quem pertence um nome? A resposta, ao que tudo indica, nem sempre é tão simples — e certamente vai além dos trending topics.

Fernanda Vieira é Sócia da Daniel Advogados. É advogada especializada em propriedade intelectual e direito do entretenimento, com ênfase em consultoria e procedimento administrativo de marcas, concorrência desleal, direito autoral e medidas de repressão contra infratores.

Julia Furtado é Advogada da Daniel Advogados. Atua como profissional de Propriedade Intelectual desde 2019, tendo trabalhado em renomados escritórios de advocacia de Propriedade Intelectual do Rio de Janeiro, com experiência em Contencioso Judicial (Patentes e Cível) e Contencioso Administrativo de Marcas.

Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da editora, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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