Advogado do futuro: contribuindo legalmente com o crescimento exponencial de startups | Análise
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Advogado do futuro: contribuindo legalmente com o crescimento exponencial de startups

Por Caio M. do Amaral Gurgel Kiss, gerente jurídico da Movile

21 de October de 2020 8h

Como é sabido, o Brasil e o mundo vem sofrendo uma revolução tecnológica sem precedentes na história, acelerada, involuntariamente, pelo atual momento de pandemia que vivemos. Os reflexos dessa revolução acelerada serão sentidos nos próximos anos e deverão perdurar por gerações em todos os setores produtivos, desde os já existentes até os que virão a ser criados em decorrência das possibilidades que a tecnologia oferece.

Dentro desse contexto macro, sabemos - ou deveríamos saber - que os setores atualmente existentes devem se reinventar com uma agilidade nunca antes vistas, ou estarão sujeitos à extinção em decorrência das novas modalidades de serviços e produtos, sendo que o Direito não escapa dessa máxima. Infelizmente, em conversas com diversos tipos de profissionais, dos mais variados segmentos, é comum ainda nos depararmos com frases ou indicações que remontam ao tradicionalismo do Direito contemporâneo, como se as regras jurídicas, bem como os próprios departamentos jurídicos, não acompanhassem a evolução e a velocidade que algumas empresas precisam para alcançar o almejado crescimento exponencial, travando de certa forma os projetos internos, o que, ao meu ver, de maneira totalmente transparente, é parcialmente verdadeiro.

Digo parcialmente porque, apesar de ser fato a existência de uma intenção "oculta" de manter o tradicionalismo, formalidades, jargões e difícil acesso ao mundo jurídico, prática normalmente promovida pelos próprios operadores do Direito, é inegável que diversas empresas vem se adaptando, da melhor forma possível, procurando profissionais jurídicos que sejam capazes de adaptar-se constantemente frente a mudanças internas, direcionamentos e estratégias do negócio, bem como valorizando àqueles que consigam pensar fora da caixa em detrimento do pensamento formal e inflexível típico do Direito tradicional.

Embora na prática isso seja realmente difícil, afinal, quanta criatividade podemos esperar dos profissionais jurídicos que saíram de experiências e faculdades extremamente conservadoras e, ainda mais difícil, como os gestores conseguem determinar quem seria a pessoa interna - ou externa, no caso de head hunters -, capazes de identificar essa fagulha de inspiração que tanto falta neste mercado e é essencial para o departamento jurídico de empresas de tecnologia?

Essa difícil e tão importante tarefa recai, quase sempre, sobre os líderes dos setores jurídicos de empresas que buscam crescimento exponencial tendo como core business o desenvolvimento da tecnologia, popularmente chamadas de startups. Porém, dado o tamanho da grande maioria de empresas dessa natureza, quase sempre não é possível alocar quantias significativas de recursos para ter um corpo jurídico relevante e capacitado sequer para atuar em todas as demandas existentes, muito menos para contratar e capacitar advogados para que pensem fora do comum.

Não são poucas as empresas desta natureza que não possuem profissionais com formação em Direito entre seus colaboradores e, nesses casos, normalmente as contratações e desenvolvimentos são feitos por profissionais de áreas paralelas, que, pela natureza da função, estarão em contato constante com o advogado. Isso não é necessariamente um problema, caso os profissionais envolvidos na contratação e desenvolvimento sejam capazes de entender razoavelmente o mundo jurídico e as dificuldades que o profissional sozinho terá de enfrentar ao se deparar com situações para qual ele não foi treinado, e, muitas vezes, não teve experiências semelhantes.

Uma vez dentro da startup, o profissional jurídico deve passar a entender humildemente que o Direito é apenas uma ferramenta, dentre as demais que a empresa dispõe, que deve ser utilizada e observada com o seu auxílio, e não o contrário, no sentido de que o Direito é a determinação absoluta de como o negócio deve seguir. Infelizmente, é extremamente comum se deparar com advogados, normalmente com menor experiência em negócios, ou com bagagens de experiências muito tradicionais, tentando dirigir ou formatar a empresa e seus colegas de diferentes setores, dificultando e engessando o negócio de formas que os colaboradores jamais imaginaram ser possível. Engessar um negócio por meio de burocracia é tão fácil que muitos profissionais o fazem involuntariamente.

Do lado oposto, as regalias oferecidas por muitas das startups, como horários flexíveis, possibilidade de home office, snacks, escritórios diferenciados, open space, eventos corporativos, bebidas alcoólicas, premiações, etc. podem minar o senso de responsabilidade do profissional, que, pouco a pouco se sente mais à vontade para usufruir das pequenas vantagens, normalmente com outros colegas bem integrados na empresa (e com muito mais experiência nessas situações) e, quando percebe, não está entregando na velocidade adequada, ou causando más impressões do setor jurídico dentro da empresa.

Na área de desenvolvimento de profissionais jurídicos neste ambiente, posso dizer que saem na frente aqueles que conseguem equilibrar os interesses da empesa, seus investidores, e o cliente interno que está solicitando a demanda. A matéria jurídica crua não é suficiente para agradar de forma equilibrada todos os envolvidos, de forma que a criação de soluções alternativas, as vezes sem tanta jurisprudência ou doutrina sobre o tema, pode ser uma saída que faz toda a diferença em um ambiente acelerado com buscas constantes de soluções.

Também se destaca a capacidade de integração com os demais setores, empatia com as dificuldades dos colegas e a pré-disposição em auxiliar. Nesse ambiente não existe espaço para o profissional jurídico ocioso que apenas aguarda ser chamado quando um problema surgir. É fundamental que ele seja capaz de entender a função dos setores, além, evidentemente, de entender o funcionamento dos negócios da empresa, para que seja capaz de encontrar e sugerir caminhos alternativos que mitiguem os riscos de determinados projetos.

Nesse ponto, vale ressaltar que sociedades mais consolidadas, que já passaram por um período de crescimento acelerado, costumam dar uma atenção especial à cultura da empresa e aos seus colaboradores, fornecendo ferramentas de feedbacks constantes entre gestores e liderados, além de times de desenvolvimento humano robustos totalmente independentes visando a saúde mental e alinhamento dos interesses de todos. Aproveite disso!

Porém, como sabemos, nem tudo são flores. Invariavelmente o profissional se deparará com situações inusitadas, extremamente relevantes para a empresa, que ainda não foi objeto de discussão jurídica, ou que os precedentes impeçam a realização de determinadas atividades. Nessas situações absolutamente difíceis de lidar nesse ambiente, a recomendação é apontar os riscos e ter o máximo de empatia para comunicar os líderes das áreas sobre as dificuldades encontradas, explicando as razões, ainda que de forma simplificada, e, caso o projeto seja vital ou tenha um impacto significativo para o negócio, levar para a diretoria, respeitando a governança existente.

Outra capacidade valiosa no ambiente de uma startup, é ter a agilidade ao mudar o foco constantemente sem se sentir frustrado, conforme demandas e projetos aparecem. Acredite, esses ambientes possuem muitas pessoas criativas! Os interesses mudam em uma velocidade estonteante e, eventuais documentos complexos ou situações difíceis que você estava resolvendo por semanas, deixam de ser prioridade e sua atenção tem que ser voltada imediatamente para outros assuntos mais urgentes. Diferentemente de ambientes mais formais e tradicionais, onde determinados assuntos recebem meses de atenção para a implementação, em uma startup pouquíssimos assuntos serão resolvidos durante meses afinco.

Para reduzir as chances de ser pego de surpresa e não ter cartas na manga, o ideal é que o profissional esteja acompanhando as decisões dos setores que encabeçam a empresa, os quais em uma única reunião, são capazes de decidir o destino do grupo. Cuidado, não vá "cutucar" o CEO da empresa diariamente em busca de informações valiosas. É parte de seu trabalho criar as conexões com gestores que darão visibilidade macro dos projetos.

Ao meu ver, para um departamento jurídico, gerar valor é ter sucesso em demonstrar que você está, de fato, dando soluções e guiando a empresa por meio das burocracias que dificultam seu crescimento, tarefa naturalmente difícil no nosso país. Uma vez que o profissional esteja sendo reconhecido por isso, sua missão dentro da startup estará no caminho certo. Que tal sentar na copa colorida da empresa para desfrutar de uma cerveja e alguns petiscos, enquanto torce por seus colegas jogando uma partida de PES 2021 no novo PlayStation 5?

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