Advocacia e IA: inteligência ampliativa e relações humanas | Análise
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Advocacia e IA: inteligência ampliativa e relações humanas

Por Antonio Carlos de Freitas Jr é sócio da A.C Freitas Advogados

20 de May 16h40

A expressão "inteligência artificial" é, talvez, um dos equívocos semânticos mais populares do nosso tempo. Quando dizemos "artificial", damos a entender que existe uma inteligência em si, separada, autônoma — quase uma entidade pensante. Mas a realidade é mais complexa e sutil. O que chamamos de IA é, essencialmente, uma inteligência ampliativa. Ela não pensa por nós, ela apenas amplia aquilo que já existe em quem a utiliza. Se o usuário for ignorante, ela amplificará a ignorância. Se for estratégico, criativo, ético, ela multiplicará suas virtudes.

Essa compreensão nos obriga a olhar com honestidade para um desafio estrutural: para usar IA com relevância, é necessário dominar a linguagem, o raciocínio e o discernimento. Isso exige letramento funcional em alto nível, capacidade crítica e raciocínio abstrato. Em países como o Brasil, marcados por desigualdade educacional e altos índices de analfabetismo funcional, isso representa um obstáculo real. O avanço da IA não pode ser separado de uma discussão profunda sobre educação e formação de base.

No campo jurídico, os efeitos da IA já são visíveis e, em muitos casos, transformadores. Ferramentas inteligentes realizam com velocidade e precisão tarefas que antes consumiam dias ou semanas: busca jurisprudencial, redação e revisão de contratos, resumos de peças processuais, predição estatística de decisões. Isso representa um salto de eficiência que libera o tempo do advogado para o que realmente importa.

Mas o que realmente importa?

A resposta, a meu ver, é clara: o que sobra ao advogado é o que sempre foi essencial. A escuta ativa, a construção de confiança, a leitura estratégica de contextos, o vínculo humano. A advocacia está migrando de um modelo operacional para um modelo relacional. O advogado do futuro será aquele capaz de atuar como conselheiro estratégico, gestor de interesses jurídicos e articulador de soluções humanas. Estará imerso no universo do cliente, compreendendo seus valores, necessidades e objetivos, muitas vezes antes mesmo que ele consiga verbalizá-los.

Mais do que isso: será também um conector de pessoas. Em um mundo cada vez mais hipercomplexo, não basta ser especialista — é preciso estar inserido em redes de especialistas. O advogado que sabe escutar, compreender o cliente em sua totalidade e, sobretudo, conectar esse cliente às pessoas certas, aos parceiros estratégicos, aos profissionais adequados para cada desafio, será um profissional indispensável. O Direito deixa de ser uma atuação isolada e passa a ser parte de uma comunidade viva de soluções integradas.

Claro, é preciso reconhecer: a IA também erra. E erra de forma peculiar. O fenômeno conhecido como "alucinação algorítmica" ocorre quando o sistema cria informações falsas com aparência de verdade. No Direito, isso pode significar citações inexistentes, fundamentos equivocados ou inferências sem base lógica. É por isso que o papel do advogado permanece vital — agora como especialista revisor, curador do sentido e guardião da integridade argumentativa.

Vivemos, portanto, uma mudança de era. A IA cuidará das tarefas brutas e repetitivas. A nós, seres humanos, serão reservadas duas funções sublimes: a criação genuína e o relacionamento autêntico. E é aí que mora a nova alma do Direito.

A advocacia do futuro será feita por quem entende de pessoas, se conecta com inteligência, pensa com profundidade e atua com consciência. E, com o apoio da tecnologia, poderá oferecer não apenas mais resultados — mas também mais presença, mais valor e mais humanidade.

Antonio Carlos de Freitas Jr é sócio da A.C Freitas Advogados, Doutor em Direito Constitucional pela USP, Professor da Fundação Santo André, especialista em Neurociências pela Unifesp e mentor de líderes jurídicos. Certificado em Leadership pela Harvard Law School.

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