A teoria do "perde perde" e a renegociação de dívidas | Análise
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A teoria do "perde perde" e a renegociação de dívidas

Por Benedito Villela Alves Costa Jr., gerente jurídico da Cimed Indústria de Medicamentos

2 de September de 2020 8h

A teoria do "ganha ganha" ficou muito conhecida após a célebre teoria dos jogos de John Nash, sendo caracterizada como um jogo de soma não nula, ou de soma diferente de zero, qual seja o tipo de jogo que não respeita as condições que caracterizam os jogos de soma nula, isto é, são aqueles cujo somatório dos pagamentos efetuados a todos os jogadores não é zero.

Em outras palavras, uma teoria que preconiza o compartilhamento mútuo das vantagens em determinado impasse ou negociação, geralmente através da inclusão de valores, ou como gostam de dizer popularmente, fazer a torta crescer para sobrar um pedaço maior para todos. Essa teoria ganhou um remake e passou a ser conhecida como teoria dos ganhos múltiplos.


Por que falar sobre teoria de jogos em um contexto de renegociação de dívidas?

A grande maioria das dívidas tem sua origem justamente em negócios jurídicos, em vínculos entre dois ou mais sujeitos de direito, segundo formas que são previstas pelo ordenamento jurídico e geram direitos e obrigações para as partes. E esses negócios foram, em regra, feitos justamente em um momento no qual as condições vigentes eram totalmente diferentes das atuais, na qual o Estado de Força Maior não imperava. Isso significa que, tanto sob a perspectiva comercial quanto jurídica, nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Para milhões, esses acontecimentos provocados pelo Covid-19, imprevistos e imprevisíveis, quase um garoto propaganda do caso fortuito e da força maior, representam uma perda massiva.

Não há mais que se falar de "ganha ganha", mas sim de "perde perde".

Sim, a humanidade se encontra diante da teoria do "perde perde", ou se utilizada a nomenclatura mais "gourmetizada", a teoria da perda múltipla. Isso porque a perda financeira de alguns significou a perda da oportunidade de outros. Indo além das trágicas e evidentes perdas de milhões de vidas e de dezenas de milhões de empregos mundialmente, percebe-se que as perdas foram de todos os tipos de ativos, tangíveis ou não, chegando até as raias da perda de preparação de milhares de atletas que deixaram de participar das Olimpíadas de Tóquio, ao menos no momento em que esta deveria acontecer. E cada perda intangível está ligada à perdas financeiras, inexoravelmente. Algumas sustentáveis, outras não. E ai que surge a necessidade de renegociação de dívidas.

A renegociação é uma novação, a criação de uma nova obrigação a partir de uma outra obrigação pré-existente. Logo, renegociação de dívida trata justamente da revisão das condições, valores e parcelas para se quitar uma dívida pré-constituída. O próprio Código Civil, em seus artigos 113 e 422, prevê a boa-fé, fortalecida no ordenamento com a Lei de Liberdade Econômica. Ora, qual maior prova de boa-fé contratual do que o reconhecimento amplo e irrestrito da alteração inequívoca no tecido social, econômico e financeiro provocados pela pandemia?

Assim, a renegociação das dívidas passou a ser não apenas uma opção, mas, acima de tudo, uma necessidade para a manutenção de um ambiente de negócios o mais saudável possível, com a sobrevivência do maior número de empresas e empreendimentos como um todo. As empresas e empreendimentos que conseguiram passar por esse terremoto social sem maiores perdas tem a obrigação de viabilizar a sobrevivência daqueles que tomaram as maiores perdas.

Uma renegociação de dívida feita em condições não tão benéficas ao credor, aos olhos do capitalista raiz será uma perda de oportunidade. E não deixa de ser, mas entra justamente na teoria da perda múltipla. Entender que todos, absolutamente todos, até aqueles que se capitalizaram na crise, perderam algo é fundamental para a próxima fase da economia global.

Quem entender essa nova regra do jogo, aceitar e absorver as perdas dentro das possibilidades e ajudar a manter outros vivos, certamente ganhará muito mais do que reputação corporativa, pode ganhar a própria sobrevivência no temível novo normal.

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