A Reforma Tributária e as legaltechs: desafios e oportunidades | Análise
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A Reforma Tributária e as legaltechs: desafios e oportunidades

Por Sávio Andrade, Carolina Amorim Ribeiro e André Essinger Toledo Castro Varella, respectivamente sócio e advogados do Machado Meyer Advogados

30 de January 17h55

A Reforma Tributária, recém-sancionada¹ pela Lei Complementar 214/2024, é a mais ampla mudança no sistema de tributação sobre o consumo desde a Constituição de 1988. Ela objetiva simplificar um sistema historicamente complexo, caro e ineficiente, reduzir os custos de conformidade e alinhar o Brasil aos padrões internacionais.

Guiada pelos princípios de simplificação, neutralidade, transparência e uniformidade, a Reforma consolidará cinco tributos (ISS, PIS, COFINS, ICMS e IPI) em um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal.

A sua implementação ocorrerá de forma gradual, entre 2026 e 2033, período em que o sistema atual e o novo modelo coexistirão. Isso demandará consideráveis esforços de adaptação por parte das empresas. Para o setor de tecnologia e de serviços, em especial para as legaltechs, o impacto é relevante, trazendo grandes desafios, mas também oportunidades.

A mudança de paradigma está na concepção de uma tributação com base ampla, que prevê a incidência da CBS e do IBS sobre todas as atividades econômicas com bens, direitos e serviços, tangíveis ou intangíveis, incluindo operações não onerosas expressamente previstas. Admite-se, em contrapartida, a não cumulatividade plena - direito de crédito na aquisição de bens, direitos e serviços.

No sistema atual, a dicotomia existente entre ICMS e ISS permite que algumas atividades não se enquadrem como comercialização de mercadorias ou como prestação de serviços e, assim, não tenham suas operações tributadas em nível estadual e municipal.

Essa realidade muda com a Reforma Tributária, podendo afetar diretamente negócios que envolvam tecnologias inovadoras, potencialmente ainda não categorizadas como mercadorias ou serviços pela legislação dos estados e municípios ou pela jurisprudência.

Um ponto sensível é o substancial aumento da carga tributária. Considerando que as legaltechs, em regra, fornecem serviços utilizando plataformas digitais personalizadas, elas atualmente se submetem ao ISS sobre o valor de suas operações², com alíquotas que variam entre 2% e 5% a depender do município, havendo ainda a incidência de PIS e COFINS, com alíquotas conjuntas de 3,65% (regime cumulativo) ou 9,25% (regime não cumulativo). A alíquota conjunta de referência do IBS e da CBS poderá alcançar o patamar de 26,5%.

O aumento de carga também será verificado na importação, já que tanto nas operações com bens imateriais e serviços, quanto nas operações com bens materiais, incidem as regras aplicáveis às operações realizadas no mercado interno. Isso pode incrementar os custos de inovação e acesso a soluções externas.

Além disso, a Reforma inibe a concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, exceto se previstos na Constituição para determinados setores/atividades, dentre os quais não se encontra o fornecimento de serviços ou plataformas digitais. Ou seja, desonerações governamentais que

hoje beneficiam startups e empresas de tecnologia serão eliminadas, exigindo que as legaltechs repensem seus modelos financeiros e estratégias de crescimento.

De outro lado, a Reforma também abre oportunidades importantes para as empresas desenvolvedoras de softwares empresariais, sobretudo quando, ao lado de soluções jurídicas, tais empresas também fornecem serviços e tecnologias voltados para apuração e compliance fiscal.

Embora a Reforma tenha como premissa a simplificação, é certo que a adaptação às novas regras tributárias demandará novas ferramentas especializadas na gestão fiscal. As empresas de tecnologia contarão com alta demanda para desenvolver soluções que possam resolver o dia a dia das empresas, permitindo a automação da apuração do IBS e da CBS, o controle de apropriação de créditos, o cumprimento de obrigações acessórias, dentre outras tarefas.

Também haverá um ambiente fértil para o desenvolvimento de tecnologias que auxiliem na gestão de litígios fiscais, a fim de buscar maior eficiência na condução e acompanhamento de processos administrativos e judiciais, seja por parte de escritórios de advocacia, seja por parte dos departamentos jurídicos. As legaltechs devem explorar esse mercado e certamente terão de oferecer novos serviços para atender ao controle de demandas desse novo contencioso fiscal.

Sem dúvidas a Reforma Tributária é uma transformação estrutural que traz impactos significativos para diversos setores e empresas, incluindo as empresas de tecnologia voltadas para o mercado jurídico.

É um cenário desafiador, no qual cada empresa precisa reavaliar estrategicamente toda a sua estrutura operacional, a fim de identificar os impactos da Reforma sobre a sua atividade. Para as legaltechs, nos parece que o impacto mais significativo será o incremento da carga tributária atualmente praticada.

Em contrapartida, é também um cenário de grande oportunidade para as empresas de tecnologia em geral, pelo potencial de oferecimento de novas ferramentas digitais para transformar a realidade do sistema tributário com soluções inovadoras, alinhadas com a simplificação pretendida pela Reforma Tributária, propiciando, em paralelo, a consolidação de um ambiente de negócios menos burocrático e mais favorável para o avanço da inovação tecnológica.

¹Sancionada com vetos pelo Presidente da República no dia 16 de dezembro de 2024, que ainda podem ser "derrubados" pelo Congresso Nacional na forma do art. 66, § 4º da Constituição Federal.

²O STF decidiu, em repercussão geral, que incide o ISS sobre contratos de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador (software) desenvolvidos de forma personalizada (RE 688223 - Tema 590).

Sávio Andrade, Carolina Amorim Ribeiro e André Essinger Toledo Castro Varella são, respectivamente, sócio especializado em Inovação e Legaltech, e advogados tributaristas do Machado Meyer Advogados.

Sávio Andrade, Carolina Amorim Ribeiro e André Essinger Toledo Castro Varella, respectivamente sócio e advogados do Machado Meyer Advogados
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