Segundo o artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC), a penhora, medida coercitiva com o fim de garantir a satisfação de um crédito, poderá recair sobre os seguintes bens, listados conforme sua ordem de preferência:
- dinheiro, fiança bancária e seguro garantia judicial;
- títulos da dívida pública com cotação em mercado;
- títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
- veículos de via terrestre,
- bens imóveis;
- bens móveis em geral;
- semoventes;
- navios e aeronaves;
- ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
- percentual de faturamento;
- pedras e metais preciosos;
- direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
- e outros direitos.
Justamente por não ter o legislador especificado quais seriam esses "outros direitos", discussões recentes são travadas nos Tribunais brasileiros, especialmente sobre o enquadramento nessa categoria. Dentre as inúmeras possibilidades, destacam-se os bens imateriais, a exemplo das marcas e patentes, websites, bitcoins, quotas ou ações de sociedades personificadas e as milhas aéreas (ou pontuações em programas de fidelidade), além de documentos personalíssimos, a exemplo de passaporte e carteira nacional de habilitação.
Especificamente quanto às milhas aéreas, vale mencionar a discussão a respeito de sua natureza jurídica. Enquanto parte minoritária da jurisprudência defende que as milhagens são uma gratificação recebida pelo consumidor assíduo, o posicionamento majoritário caminha no sentido contrário, de que as milhas estão inclusas no valor pago pelo consumidor ao adquirir os produtos/serviços comercializados pelas companhias aéreas. Nesse mesmo sentido, pontuou o Desembargador J.B. Franco de Godoi, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), ao apreciar o recurso de apelação nº 0009943-57.2015.8.26.0635:
Não por outra razão, recentemente, a 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), ao analisar sumariamente o recurso de agravo de instrumento nº 0712398-97.2022.8.07.0000, deferiu pedido liminar pleiteado em incidente de cumprimento de sentença para determinar a penhora sobre milhas áreas do devedor, uma vez que não foram encontrados outros bens e/ou direitos que pudessem garantir a satisfação do crédito da parte recorrente.
Aplicando outro precedente do próprio TJDFT, o Relator Desembargador Mário-Zam Belmiro Rosa reconheceu (i) o caráter econômico das milhas áreas, notadamente em razão de sua comercialização em sítios eletrônicos como "Maxmilhas, Hotmilhas, 123milhas, entre inúmeros outros", e, por consequência, (ii) a possibilidade da penhora destas.
O entendimento do TJDFT coaduna-se, inclusive, com o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de Minais Gerais (TJMG), que no ano de 2020, reconheceu que "os pontos e milhagens dos programas de fidelidade possuem, sim, valor monetário e não há impedimento à conversão em valores, já que, existem várias empresas especializadas que comercializam as milhagens aéreas". Naquela oportunidade, entendeu-se igualmente que as milhas se enquadrariam na categoria de "outros direitos" e, portanto, seriam passíveis de penhora, nos termos dos artigos 789 e 835, inciso XIII, do CPC.
Diferentemente da abordagem adotada pelo TJDFT e pelo TJMG, o TJSP vem consolidando seu posicionamento com relação à impenhorabilidade das milhas áreas, em atenção ao princípio da máxima efetividade da execução. Isso porque, no entendimento do TJSP, muito embora as milhas aéreas possuam caráter patrimonial, na prática, a penhora encontraria óbice, a título de exemplo:
- na ausência de meios de pesquisa pelo Poder Judiciário;
- no exíguo prazo de validade;
- em seu caráter pessoal e intransferível;
- e na impossibilidade da conversão das milhas em dinheiro por meios seguros e idôneos.
Diante desse cenário, o que resta é observar se os Tribunais brasileiros caminharão para uma harmonização no que tange à possibilidade ou não de penhora de milhas aéreas e, caso negativo, se tal divergência forçará um posicionamento por nossas Cortes Superiores.